quarta-feira, 29 de dezembro de 2010


[as crônicas de nárnia: a viagem do peregrino da alvorada]

As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada
The Chronicles of Narnia: The Voyage of the Dawn Treader, 2010
Michael Apted


Uma confissão: eu gosto de As Crônicas de Nárnia. Acho o primeiro filme da série, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa uma aventura infanto-juvenil de qualidade, envolvente e empolgante na medida certa, e o segundo, Príncipe Caspian, uma bem-vinda demonstração de amadurecimento, com um tom um pouco mais adulto, mas sem perder o senso de aventura demonstrado no primeiro. Acima de tudo, se Nárnia nunca chegou ao nível de um Harry Potter (e muito menos de O Senhor dos Anéis), ao menos sempre esteve à frente em qualidade dos inúmeros filmes de fantasia que inundam os cinemas todos os anos (A Bússola de Ouro, Eragon, Percy Jackson e tantos outros que não perdi meu tempo assistindo...).
Infelizmente não dá para dizer o mesmo deste terceiro capítulo da série. A Viagem do Peregrino da Alvorada até tem lá seus momentos divertidos, o final até é bonitinho e emocionante, mas, no geral, é um filme muito fraco. Há um claro retrocesso no nível de maturidade alcançado em Príncipe Caspian, com a narrativa se assumindo a todo momento como puramente infantil. Além do mais, tudo soa excessivamente gratuito na trama. Não parece haver motivação real para os personagens fazerem o que fazem, ao contrário dos filmes anteriores. É a aventura pela aventura, descartando qualquer senso de perigo que poderia existir neste tipo de postura (nos filmes anteriores, sempre temíamos por aquele grupo de crianças no campo de batalha, e o risco de algo acontecer a elas era minimamente real, algo que não ocorre aqui). Pela primeira vez na série, também, sua mensagem religiosa me incomodou. Apesar de não ser cristão (nem nenhuma outra coisa), sempre levei numa boa o subtexto de Nárnia, até porque, no fim das contas, as mensagens de respeito, amizade e amor que os filmes buscam passar estão acima de qualquer crença religiosa. Mas em A Viagem do Peregrino da Alvorada as opções religiosas de C. S. Lewis se explicitam ainda mais, chegando ao ápice com o leão Aslan revelando possuir "outro nome" no nosso mundo... desnecessário, não?
É mesmo uma pena que As Crônicas de Nárnia, que caminhava para se firmar como a terceira melhor série de filmes de fantasia dos últimos anos, com dois filmes tão encantadores, sofra essa queda de qualidade (coincidentemente ou não, justamente quando trocou de diretor). Até acho que Nárnia ainda ocupa este posto, mas agora é mais por falta de opções mesmo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010


[decepções cinematográficas de 2010]

Num ano cheio de decepções, em quase todas as áreas da vida, o cinema não poderia ficar de fora, certo? Aqui estão os 5 filmes que mais me decepcionaram em 2010. Não são os piores filmes do ano, necessariamente - são obras das quais eu esperava algo de bom, mas que não corresponderam tal expectativa. Vamos a elas.


Alice no País das Maravilhas
Alice in Wonderland, 2010
Tim Burton


O eterno diretor do quase desta vez sequer chegou perto de fazer uma obra-prima. Alice parecia ter sido escrito para ser adaptado por Tim Burton. Mas seu filme é puro espetáculo visual (cansativo, por sinal) e conteúdo zero.


Direito de Amar
A Single Man, 2009
Tom Ford


Colin Firth dá um show, mas a estreia do estilista Tom Ford na direção é um filme vazio, muito mais preocupado em criar imagens plasticamente arrebatadoras. Até consegue. Mas o fiapo de história não consegue se sustentar em momento algum.


Educação
An Education, 2009
Lone Scherfig


O filme indie britânico mais badalado da temporada de prêmios do ano passado é na verdade uma historinha boba, conservadora e moralista. Uma pena. A maravilhosa Carey Mulligan merecia bem mais.


Sede de Sangue
Bak-Jwi/Thirst, 2009
Chan-Wook Park


O diretor de Old Boy em um filme sobre um padre vampiro? Obra-prima, certo? Infelizmente não. Park perdeu totalmente a mão numa história que tenta, sem motivos, misturar drama, horror e humor. Não tem graça, não comove e nem assusta. Constrangimento puro.


Um Olhar do Paraíso
The Lovely Bones, 2009
Peter Jackson


A adaptação do comovente livro de Alice Sebold deveria promover o reencontro de Peter Jackson com sua veia mais intimista, esquecida desde Almas Gêmeas. Mas o resultado foi um melodrama carregado, onde tudo, do visual ao elenco, parece um tom acima do ideal.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010


[abutres]

Abutres
Carancho, 2010
Pablo Trapero


Abutres foi o terceiro filme que assisti de Pablo Trapero, um dos mais badalados cineastas argentinos do momento. E acho que posso dizer que é o melhor deles. Pela primeira vez realmente me importei com os personagens de um filme de Trapero, senti as imagens criadas pelo diretor pulsarem na tela (algo que não percebo em Do Outro Lado da Lei e em Leonera, ainda que tenha que rever este segundo).
Visceral é uma boa palavra para definir Abutres. A trama é absurdamente simples, remete aos muitos filmes já produzidos sobre dois habitantes de um universo violento que encontram, um no outro, conforto e saída para suas duras realidades (só para citar um, que foi mesmo o primeiro que me veio à mente diante do filme de Trapero, o maravilhoso e comovente Despedida em Las Vegas, com Nicolas Cage e Elisabeth Shue). O diretor se embrenha, aos poucos, neste mundo, indo de uma narrativa que aparenta, em seu início, uma mera sucessão de episódios repetidos (os salvamentos da personagem de Martina Gusmán e os golpes de Ricardo Darín), para uma crescente tentativa de livrar o casal de protagonistas de tamanha brutalidade, o que gera momentos absurdamente angustiantes - culminando na espetacular sequência final. Por vezes, Abutres lembra o cinema de Alejandro González Iñarritu, especialmente Amores Brutos - em sua estética suja, nervosa, e em seu olhar de compaixão para personagens marginalizados, de moralidade ambígua -, mas sem as doses incômodas de pretensão que costumam atrapalhar os filmes do mexicano (vide Babel). Um filme pequeno, mas que se garante nas interpretações fortes de seus protagonistas e na direção impecável de Trapero.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010


[the walking dead - primeira temporada]

The Walking Dead
The Walking Dead, 2010
Frank Darabont


O grande problema desta primeira temporada de The Walking Dead é sua duração excessivamente curta (são apenas 6 episódios). Apesar de trabalhar em um universo já explorado à exaustão em outras mídias (particularmente o cinema), e de não trazer nada de realmente novo a este universo (ao menos por enquanto), a série criada e produzida por Frank Darabont funciona muito bem. Os atores são ótimos (me chamaram mais atenção o protagonista, Andrew Lincoln, e o ator-fetiche do diretor, o sempre ótimo Jeffrey DeMunn, mas não há quem esteja mal em cena), os personagens bem desenvolvidos, a trama envolvente, os zumbis repugnantes e assustadores.
Assim como em seu memorável O Nevoeiro, Darabont opta por utilizar uma ameaça externa e irracional para falar dos seres humanos que têm de enfrentá-la, levá-los até o limite, e lembrar ao espectador o quanto a tal natureza humana pode ser sinistra. Também não há nada de novo aqui, mas Darabont sabe fazer isso como poucos. Na verdade, acho que o grande problema da primeira temporada de The Walking Dead não é sua curta duração, mas sim o fato de ser absurdamente viciante (provavelmente poderiam ser 100 episódios, que ainda assim acharia pouco). E isso me preocupa, levando-se em conta que a última vez que me senti assim em relação a uma série de TV foram necessários 6 anos (e muita discussão) para conseguir deixar para trás uma certa ilha misteriosa...

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

[trailer: a árvore da vida]

Há quem torça o nariz para o cinema de Terrence Malick. Há quem o ache chato, pretensioso, superestimado, difícil. Eu me incluo naqueles que, mesmo encontrando algumas dificuldades com seus filmes vez ou outra, se impressionam com a força e beleza das imagens criadas pelo cineasta, e que, a cada revisão de Além da Linha Vermelha, O Novo Mundo ou Terra de Ninguém, se sentem um pouco mais tocados por seu cinema-sinfonia-poesia. E, logo, me incluo também no grupo dos que se empolgaram diante do belíssimo trailer de A Árvore da Vida, o novo trabalho de Malick. Por que Julho de 2011 não chega logo?


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010


[você vai conhecer o homem dos seus sonhos]

Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos
You Will Meet a Tall Dark Stranger, 2010
Woody Allen


Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos é um ótimo contraponto ao filme imediatamente anterior de Woody Allen, Tudo Pode Dar Certo. Enquanto na comédia protagonizada por Larry David o diretor novaiorquino exibia um inusitado e contangiante otimismo - mesmo que através de um protagonista neurótico e amargo -, nesse seu novo trabalho Allen mergulha seus personagens em um clima de pessimismo quase total, ainda que isso nem sempre fique claro num primeiro olhar. Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos pode parecer uma simples comédia romântica com toques dramáticos, com um grupo de personagens correndo em busca do amor, mas o filme é bem mais amargo e ambicioso do que isso - algo que fica bem claro em seus momentos finais, quando tudo simplesmente começa a dar errado para todos os seus personagens (e quando Allen faz uma desiludida defesa da capacidade de auto-ilusão do ser humano). É aqui que o longa se contrapõe de vez a Tudo Pode Dar Certo e passa a fazer um belo conjunto com outras obras do diretor, de viés mais trágico (Crimes e Pecados, Match Point e O Sonho de Cassandra). Afinal, se pensarmos na vida daqueles personagens continuando após os créditos finais de Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, não seria nada surpreendente que alguns deles tomassem medidas drásticas diante dos rumos de suas vidas - especialmente no caso do escritor vivido por Josh Brolin.
No entanto, é importante dizer que estamos aqui diante de um filme menor de Woody Allen. Apesar da aproximação com os filmes citados acima, Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos passa longe da força dramática de um Crimes e Pecados ou de um Match Point. Os atores parecem preguiçosos em cena (principalmente Antonio Banderas, uma nulidade total) e a trama simplesmente não engrena. Brolin é quem, mais uma vez, se destaca no elenco, e é com seu personagem que mais nos preocupamos durante o filme. A impressão é, em alguns momentos, de que estamos diante de um daqueles trabalhos esquecíveis que Allen costuma fazer no intervalo de obras memoráveis (só para ficarmos nessa década, vale lembrar da despretensiosa comédia Scoop, por exemplo, produzida entre Match Point e O Sonho de Cassandra), no entanto, ainda assim, o filme tem seus méritos e, como disse no início, é muito mais sério e pessimista do que pode aparentar à primeira vista. Um filme menor de Woody Allen ainda é cinema de qualidade.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010


[cidadão boilesen]

Cidadão Boilesen
Cidadão Boilesen, 2009
Chaim Litewski


Geralmente, o cinema que se produz sobre os anos nos quais o Brasil viveu sob o governo dos militares (1964-1985) é um cinema altamente militante, de esquerda, que se preocupa muito pouco em problematizar determinados lugares-comuns e em trazer à tona outras vozes, outros olhares. Apesar de me identificar politicamente com essa militância, me pergunto às vezes se, enquanto cinema e olhar sobre uma época, esse tipo de postura não pode se tornar empobrecedora. O documentário Cidadão Boilesen é exemplar no sentido de mostrar o quanto ouvir o inimigo pode servir para fortalecer muito mais aquele que ouve do que aquele que fala.
Ao contar a trajetória polêmica de Henning Boilesen - dinamarquês naturalizado brasileiro, presidente da Ultragaz na década de 1960, que financiou a repressão aos movimentos de esquerda contrários aos governos militares e chegou mesmo a participar de sessões de tortura -, o cineasta Chaim Litewski opta por ouvir também não só os familiares do sujeito (que, naturalmente, buscam recuperar sua imagem, negando as acusações que pesam sobre ele), como também algumas figuras grotescas do período (uma série de militares reformados que esbanjam cinismo, um ex-agente da sinistra Operação Bandeirante e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, ex-comandante do Doi-Codi e um dos principais alvos dos que hoje lutam por punição para os torturadores do regime militar brasileiro). Vê-los falar é uma experiência que provoca incômodo e revolta, ainda que o filme não busque julgá-los explicitamente. E, por isso, é curioso perceber como as escolhas de Litewski em seu filme acabam por fortalecer ainda mais um olhar de horror para a figura de Boilesen e para todos aqueles que aparecem na tela tentando defendê-lo. O impacto dos atos do dinamarquês, a barbárie que sua figura passou a representar, permanecem gigantescos.
Depois de ouvir seu filho buscando redimi-lo, os diversos militares esforçando-se por inocentá-lo, depois de ver cenas da família Boilesen aos prantos no velório do industrial, ainda assim, o que fica na memória, são os relatos sobre a "pianola Boilesen", instrumento de tortura trazido para o Brasil pelo sujeito. Daí entendemos o sentimento de euforia entre as esquerdas brasileiras quando da sua execução. Como diz um entrevistado em determinado momento do filme, pode soar estranho, hoje, que alguém deseje assim, com tanta força, publicamente, a morte de outra pessoa. Mas basta assistir Cidadão Boilesen para, no mínimo, entender este sentimento.

sábado, 4 de dezembro de 2010

A Rede Social



Como tornar minimamente interessante um filme sobre a criação do Facebook? Seria, aliás, sequer possível construir um longa-metragem sobre uma rede social virtual? E o que um diretor como David Fincher fazia em um projeto como esse? Confesso ter-me feito perguntas como estas quando soube do projeto A Rede Social, e, durante um bom tempo, as tive como guia na formação de minha visão antecipada sobre tal filme - algo que durou, pelo menos, até o lançamento de seu primeiro trailer.

Contra todas as previsões, Fincher, dando continuidade ao processo de transformação de seu cinema inventivo e provocativo em algo mais palatável e tradicional - mas, ainda assim, de alta qualidade -, consegue transformar a trajetória de dois jovens universitários que criaram um site de relacionamentos que hoje faz parte da vida de pessoas de todos os cantos do mundo (e que poderia muito bem ter rendido um documentário, por exemplo, talvez o formato mais óbvio para um filme como este), em uma obra de ficção carregada de carga emocional. A Rede Social é um filme bastante adulto sobre um mundo jovem, um drama maduro que se alicerça em uma trama simples para mostrar não só o nascimento de um fenômeno virtual, mas principalmente para contar uma boa história, com personagens bem desenvolvidos e uma narrativa segura de si, muito bem construída e conduzida.

Fincher, que um dia embrulhou estômagos e causou polêmicas com obras como Seven e Clube da Luta, agora entrega um trabalho bem menos pesado e ousado, mas que se leva tão a sério (ou até mais) quanto seus primeiros - e mais celebrados - filmes. Esse é, definitivamente, o grande acerto do diretor. É pela postura de nunca desmerecer uma história que poderia parecer banal que Fincher consegue fazer de A Rede Social uma obra admirável, com um elenco jovem inspiradíssimo (Jesse Eisenberg é mesmo excelente, mas, em minha opinião, o grande nome do filme é Andrew Garfield, adorável em seu bom-mocismo e comovente como vítima de seu melhor amigo) e uma história envolvente. É por levarem seu filme a sério que Fincher e o roteirista Aaron Sorkin fazem com que momentos como aquele em que surge a ideia para a inclusão do "status de relacionamento" no perfil do usuário do Facebook - algo que pode soar idiota hoje em dia - sejam fundamentais para a narrativa. A Rede Social é irretocável enquanto cinema e acaba se transformando, talvez à revelia de suas pretensões iniciais, em um despretensioso, mas poderoso, retrato de uma geração.


A Rede Social 
The Social Network, 2010
David Fincher

segunda-feira, 29 de novembro de 2010


[harry potter e as relíquias da morte - parte 1]

Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1
Harry Potter and the Deathly Hallows - Part 1, 2010
David Yates


Chega a ser inacreditável no que Harry Potter se transformou. Se até o filme anterior da série ainda havia algum espaço para as descobertas naturais de um grupo de adolescentes, mesmo com as sombras tomando conta do universo mágico em que vivem, ao chegar ao seu epílogo, a saga adquire de vez um tom absoluto de medo e violência: em diversos momentos, Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 lembra mesmo um filme de terror.
David Yates, o diretor britânico que assumiu o comando da saga em seu quinto filme e não saiu mais, entrega aqui seu melhor trabalho: a primeira parte do último Harry Potter é um filme admirável pela calma com que sua trama se desenrola, e pelo cuidado que tem com seus personagens. A maior parte da narrativa é dedicada à fuga do trio de protagonistas, cada vez mais encurralados por Voldemort (Ralph Fiennes, ainda excepcional, mesmo com o pouco tempo em cena), e aos conflitos que surgem durante este convívio forçado. O que significa que Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 depende fundamentalmente do trio de jovens atores Daniel Radcliffe, Rupert Grint e Emma Watson. E eles não decepcionam. O amadurecimento de Harry, Rony e Hermione foi acompanhado pelo amadurecimento de Radcliffe, Grint e Watson como atores, e o turbilhão de emoções pelo qual os personagens passam é retratado com pujança e delicadeza pelo trio. Mas os devidos méritos também devem ser dados a Yates. Sem jamais permitir que seu filme se torne enfadonho, mesmo com alguns momentos contemplativos - um tanto inusitados em uma série marcada por narrativas aceleradas, cheias de detalhes que costumam se atropelar -, o diretor constrói uma obra profundamente angustiante e emocional.
Angustiante por conseguir, finalmente, deixar claro que toda a felicidade das descobertas de um mundo mágico foram deixadas para trás, e que o perigo que ronda os personagens é verdadeiramente real: Harry, Rony e Hermione entraram de vez em um mundo adulto, carregado de violência e crueldade, e que vive sob a sombra de um tirano. Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1 é quase uma chacina, e Yates acerta ao não poupar o espectador de testemunhá-la.
E Emocional por, enfim, provocar verdadeira comoção ao filmar momentos trágicos da saga (algo que não ocorrera nos dois filmes anteriores, quando a morte de personagens fundamentais não trazia a carga emotiva imaginada), mas, principalmente, por demonstrar delicadeza na construção da dinâmica entre seus personagens principais. Delicadeza transbordante que fica explícita em uma breve, mas maravilhosa, cena: Harry e Hermione dançando no interior de sua cabana. Cena das mais belas de toda a trajetória de Harry Potter no cinema, momento de raro alívio em meio à tempestade que só se acentua no mundo dos bruxos.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

[primeiro plano 2010 - festival de cinema de juiz de fora e mercocidades]

Ocorreu entre os dias 16 e 21 de novembro mais uma edição do Primeiro Plano - Festival de Cinema de Juiz de Fora e Mercocidades, em sua 9ª edição. Nesse ano, mais uma vez, me dediquei muito pouco aos curta-metragens, o que lamento, mas, ao menos, consegui assistir a quase todos os longas exibidos. Deixo, a seguir, minhas impressões sobre eles:


Os Famosos e os Duendes da Morte
Os Famosos e os Duendes da Morte, 2009
Esmir Filho


Este, na verdade, foi assistido alguns dias antes do Primeiro Plano, mas como não havia ainda escrito sobre ele aqui no blog, aproveito a oportunidade. É um bom exemplar de um cinema jovem carregado de melancolia, que tenta tornar palpável o vazio que por vezes permeia a condição da juventude no mundo contemporâneo. Os Famosos e os Duendes da Morte funciona principalmente quando tem seu protagonista interagindo com figuras mais velhas, especialmente sua mãe, vivida com delicadeza por Áurea Baptista Ali fica claro a distância entre suas gerações e, ao mesmo tempo, a proximidade entre aquelas duas pessoas, proximidade que, quando reconhecida, gera momentos de enorme singeleza. No entanto, o filme perde força quando se dedica excessivamente à subtrama da garota suicida e de seu misterioso namorado que retorna à cidade. Todas as vezes que Esmir Filho se dedica a esses personagens, sua obra se torna chata, arrastada e menos admirável. De qualquer forma, qualquer filme que tenha Bob Dylan na trilha sonora já merece ser respeitado...

Rainhas
Rainhas, 2009
Fernanda Tornaghi e Ricardo Bruno


Documentário carinhoso, mas bastante convencional, sobre o concurso Miss Brasil Gay e seus participantes, centrado, especialmente, na figura da Miss Rio de Janeiro, um jovem de Rondônia que vem para o Sudeste tentar realizar seu sonho. As passagens centradas na relação dessa figura com seu namorado são bem bonitas, dão ao filme um bem-vindo caráter de intimismo e delicadeza, mas, quando se centra especificamente no concurso, Rainhas perde força, seu protagonista deixa de ser protagonista, e o documentário se torna apenas um filme comum sobre um concurso de Miss. Nesses momentos menos interessantes, no entanto, o que ainda garante alguma qualidade é a presença da Miss Maranhão, figura impagável, alívio cômico acertado do filme - ainda que o clima de Rainhas não seja, de forma alguma, pesado, voltado para o drama, até porque, como disse no início, esse é um olhar bastante carinhoso para o universo das transformistas.

A Falta que nos Move
A Falta que nos Move, 2009
Christiane Jatahy


A agradável surpresa do Festival. De uma premissa aparentemente pretensiosa, que busca questionar as fronteiras entre realidade e ficção através de um cinema de pesquisa de linguagem, a diretora Christiane Jatahy conseguiu fazer um filme instigante e com grande carga emocional. Aliás, é justamente daí que A Falta que nos Move tira sua grande força: da interação entre seus atores/personagens, que tornam palpáveis e dolorosos os conflitos e o convívio daquele grupo de pesssoas. É somente por ser dramaticamente efetivo, por envolver e emocionar com as figuras humanas que apresenta, que o filme consegue tornar válida sua discussão sobre a tênue linha que separa o que é real e o que é encenado. Às vezes é um pouco cansativo, às vezes algumas falas soam por demais fake. Mas, no fim, é difícil não começar a se importar com aquelas cinco pessoas, com os atores e com os personagens interpretados por eles - e vê-los todos chorando para a câmera, na catártica cena conduzida pelo excelente Pedro Brício, é de cortar o coração.

Andrés Não Quer Dormir a Sesta
Andrés No Quiere Dormir la Siesta, 2009
Daniel Bustamante


Filme argentino bem esquisito esse aqui. É um drama sobre a vida na Argentina nos anos de ditadura militar, mas o tema da repressão e da tortura é muito pouco enfocado, por mais que o diretor Daniel Bustamante pareça querer abordá-lo - mas, aparentemente, não sabia como. É também um drama familiar, onde os personagens são todos muito mal desenvolvidos, unidimensionais, e mesmo um tanto estranhos, eu diria. Por fim, Andrés Não quer Dormir a Sesta é uma história sobre a perda da inocência de um garoto em tempos de violência, como tantos e tantos outros filmes já produzidos (só para ficar no contexto das ditaduras militares na América Latina, poderia ser citado o brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, belíssimo trabalho de Cao Hamburguer), no entanto, Bustamante, inexplicavelmente, transforma seu protagonista em um pequeno vilão de filme de terror, gerando uma cena final entre o garoto e sua avó que beira o ridículo. Aliás, a personagem da avó é interpretada pela grande Norma Aleandro, presença inusitada em um filme tão fraco.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

[machete]

Machete
Machete, 2010
Robert Rodriguez


Me lembro que quando assisti Um Drink no Inferno, meu primeiro contato com o cinema de Robert Rodriguez, fiquei com a impressão de que um filme que se encaminhava para ser muito bom, com personagens e diálogos excelentes, dotado de um humor negro devastador, fora estragado por sua segunda metade exagerada, tosca, desprovida de qualquer sutileza. A impressão exata era de que a primeira parte do filme havia sido dirigida por Quentin Tarantino (na verdade, roteirista da obra), e a segunda, por Rodriguez.
Quem assistiu ao projeto Grindhouse, lançado por essa mesma dupla há 3 anos, deve ter percebido algo parecido: enquanto o segmento de Tarantino, À Prova de Morte, transformava um fiapo de história em um filme memorável, empolgante e engraçado, o segmento de Rodriguez despediçava um bocado de ótimas ideias por conta de opções exageradamente gore, e de um roteiro fraquíssimo. Pois com Machete, filho direto de Grindhouse, fica a certeza: Robert Rodriguez é um "estragador" de boas ideias. Do genial trailer inserido entre À Prova de Morte e Planeta Terror, o diretor texano tira um filme cheio de momentos hilários, que tem um protagonista marcante, mas que poderia ser mais, muito mais. Falta roteiro a Machete. Não estou pedindo que o filme se leve a sério, não é isso (cito aqui, novamente, o exemplo de À Prova de Morte, uma grande brincadeira que é quase uma obra-prima, graças ao talento de Tarantino em construir e conduzir sua trama). A questão é que a piada do "mexicano implacável em busca de vingança" cansa a partir de um certo momento, por mais que Danny Trejo dê um show, e todo o pano de fundo no qual a narrativa se desenvolve - o embate entre imigrantes ilegais de um lado e políticos, traficantes e preconceituosos fanáticos de outro - é frágil demais (ou é tratada com excessivo desleixo por Rodriguez). Além disso, bons atores são desperdiçados em personagens que poderiam ser absolutamente memoráveis (como o senador vivido por Robert De Niro e o traficante interpretado por Steven Seagal). Talvez também tenha faltado direção de qualidade a Machete. Talvez, tenha simplesmente faltado Quentin Tarantino ao filme, ao invés dessa sua versão infinitamente menos talentosa que é Robert Rodriguez.

sábado, 13 de novembro de 2010

[josé e pilar]

José e Pilar
José e Pilar, 2010
Miguel Gonçalves Mendes


Não há ceticismo que resista ao amor de José Saramago e Pilar del Río. Quando o escritor português morreu, em junho desse ano, lamentei aqui no blog o fato de ter lido tão poucos livros seus (três até o momento, Ensaio sobre a Cegueira, As Intermitências da Morte e Caim). No entanto, por ter em casa uma quase especialista na literatura "saramaguiana", já folheei a maior parte de suas obras, e sempre me deparei com suas dedicatórias a Pilar. "A Pilar", "A Pilar", "A Pilar", repetitivamente. Esse belíssimo documentário José e Pilartorna palpável, minimamente compreensível, o porquê delas. O porquê de tantas delas.
O filme, dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, tem o mérito espantoso de entrar na vida cotidiana do casal de forma discreta, de conseguir acompanhar sua rotina com uma naturalidade que nos faz esquecer mesmo que há ali, presente ao lado de Saramago e sua esposa, uma equipe de filmagem. O olhar do espectador é naturalizado, tamanha a discrição e o cuidado do trabalho do diretor. No entanto, me parece que é mesmo em seus retratados que reside a força maior de José e Pilar. O filme de Gonçalves Mendes é de José e de Pilar. É dos dois, por mais que a rabugice doce de Saramago seja quase irresistível, por mais que a personalidade forte de Pilar del Río seja apaixonante. É ao casal, aos seus pequenos momentos de singeleza, ao seu amor rotineiro - mas nunca banal - inabalável que o filme deve sua capacidade de emocionar tanto, de produzir passagens engraçadas, inusitadas, belas, tristes. Ver um sujeito como Saramago, capaz de criar momentos tão marcantes com suas palavras, chamar sua esposa para, como uma criança orgulhosa de ter feito algo certo, relatar uma frase bonita que disse, dá a dimensão da figura de Pilar na vida do escritor.
Quando José Saramago morreu, vivia um momento na minha vida íntima que acreditava ser mágico. Hoje, quando tudo aquilo já foi dolorosamente destruído, quando luto para deixar para trás o que vivi e senti, assisto um filme como José e Pilar. E, contrariando meu recém-adquirido (à força) ceticismo, volto a acreditar, mesmo que por alguns poucos momentos, que poderia passar o resto da minha vida dedicando meu trabalho (qualquer que seja) a alguém. De fato, não há ceticismo que resista ao amor de José Saramago e Pilar del Río.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

[a suprema felicidade]

A Suprema Felicidade
A Suprema Felicidade, 2010
Arnaldo Jabor


S
ou de uma geração que construiu uma imagem de Arnaldo Jabor baseada exclusivamente em sua atuação como cronista político na televisão brasileira - e, conforme fui crescendo e me posicionando politicamente, passei a quase sempre discordar do que Jabor dizia. Pouco sabia de sua prévia história como cineasta, até bem recentemente. O cinema de Arnaldo Jabor é grande, poderoso. Trás alguns trabalhos fracos, como
Pindoramae O Casamento, mas estão na sua conta filmes memoráveis como A Opinião Pública, Toda Nudez Será Castigada, Tudo Bem e Eu Sei que Vou te Amar. Este que foi, aliás, o último trabalho seu por trás das câmeras, há quase 25 anos. A cena cinematográfica brasileira sentia falta de Jabor.
A Suprema Felicidade, seu tão aguardado retorno, é um filme transbordante em ternura. Jabor também parecia estar com saudades do cinema. É um olhar absolutamente carinhoso - e, em muito, autobiográfico - do cineasta para o processo de descoberta da vida pelo qual passa um garoto, dos 8 aos 20 anos, no Rio de Janeiro das décadas de 1940 e 1950. Quando consegue transformar essa ternura excessiva em lirismo, Jabor constrói um filme profundamente bonito, dotado de uma nostalgia gostosa. Especialmente quando tem Marco Nanini em cena.
No entanto, A Suprema Felicidade é também um trabalho bastante irregular, o que fica claro no excessivo empostamento em determinadas sequências, e na falta de capacidade em tornar outras verossímeis, mesmo quando seu objetivo é a lembrança fantasiosa. Não é um filme para se cobrar realismo absoluto, não é esse seu intento, mas há passagens demasiadamente fake, que definitivamente não funcionam (um bom - ou mau - exemplo é a sequência do carnaval de rua). Há ainda um Dan Stulbach ruim, em um personagem horroroso. Como ele permanece mais em cena nos momentos iniciais de A Suprema Felicidade, é natural que o filme demore um pouco para engrenar. No entanto, tudo melhora quando o tempo passa, o protagonista cresce (Jayme Matarazzo segura bem o personagem) e Nanini ganha mais espaço. O veterano ator, volto a destacar, é um show à parte, ilumina a tela, e se torna o verdadeiro dono do filme. Nada mais justo, portanto, que seja o seu personagem o encarregado de encerrar, numa belíssima cena, esse bem-vindo retorno felliniano de Jabor ao cinema.

terça-feira, 12 de outubro de 2010


[tropa de elite 2]

Tropa de Elite 2
Tropa de Elite 2, 2010
José Padilha


Como disse em meu recente texto sobre Wall Street 2, admiro quando um cineasta realiza uma continuação de algum trabalho anterior seu por motivos autorais, por acreditar ainda ter algo a dizer com aqueles personagens, e não por querer simplesmente garantir mais uma gorda bilheteria. Tropa de Elite 2 também se encaixa perfeitamente nesse comentário, com uma importante diferença em relação ao mais recente trabalho de Oliver Stone: ao retornar aos personagens do longa de 2007, José Padilha consegue não só superar o original, mas também entregar uma verdadeira obra-prima.
É mais que conhecida a polêmica gerada pelo primeiro Tropa de Elite, acusado por muitos de "fascista", de cultuar a violência e transformar um personagem iminentemente psicopata em herói. Nunca achei tais discussões irrelevantes, como muitos fizeram (inclusive o próprio Padilha, que vive tratando esses argumentos contrários ao seu filme com imensa ironia, como se fosse proibido tentar lançar um olhar sociológico sobre seu cinema, que é, paradoxalmente, profundamente sociológico), mas sempre olhei tal postura com certo receio. De fato, Tropa de Elite abria brechas para esse tipo de interpretação, especialmente por colocar seu protagonista como narrador da trama, numa composição que o transformava quase em um dono da verdade, um guia para o espectador através daquele mundo de corrupção e violência. No entanto, havia muito mais ali do que queriam os olhares mais apressados. Não dava para simplesmente rotular de "fascista" o trabalho de um cineasta que, alguns anos antes, havia feito Ônibus 174, filme que, seguindo a lógica dos rótulos, seria claramente "de esquerda". Não dava para rotular de "fascista" um filme que venceu o Festival de Berlim, num júri presidido por Costa-Gavras...
Tropa de Elite 2 é a resposta a todas as acusações que foram feitas contra Padilha e contra seu filme mais famoso e bem-sucedido, e também às interpretações conservadoras construídas a seu respeito, não só por parte do grande público como também por alguns órgãos de imprensa. E é uma resposta contundente, que vem através da construção de um complexo arco dramático para seu personagem mais icônico, o Capitão Nascimento de Wagner Moura. A inserção dessa figura na administração pública do Estado do Rio de Janeiro abre espaço para Padilha amadurecer consideravelmente seu olhar sobre a realidade brasileira. Sai de cena o debate, por vezes simplista, que culpabilizava primordialmente os usuários de drogas pelo tráfico, e entra um olhar cáustico para a corrupção política e policial no Rio (e no Brasil). O inimigo agora é outro, como diz o subtitulo desnecessário do filme, e agora parece ser o inimigo correto. Padilha atira para quase todos os lados, mas, felizmente, é certeiro em todas as suas críticas. Desmoraliza figuras como os apresentadores de programas policiais sensacionalistas através do divertido e repugnante personagem de André Mattos, escancara de vez a lógica perniciosa que move as relações entre Estado, polícia e organizações criminosas, trata com propriedade a temática das milícias (e aí consegue a proeza de fazer de um personagem mínimo do primeiro filme, interpretado por Sandro Rocha, um vilão assustador), e elege como alicerce moral um deputado estadual de esquerda e humanista (vivido pelo excelente Irandhir Santos) - que, seguindo o raciocínio daqueles que rotularam o cineasta de fascista, deveria ser o vilão de Tropa de Elite 2.
Mas o centro de tudo é mesmo Nascimento, e o processo de "conscientização" pelo qual passa. Não, ele não deixa de ser violento, brutal, de destilar comentários preconceituosos. Mas compreende, junto com Padilha (e, espero, com os espectadores), que toda a corrupção que toma conta da nossa política só é passível de ser enfrentada efetivamente por meio da própria política, algo que fica claro na excepcional sequência na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ecos de Sindicato de Ladrões?). Nascimento completa então seu ciclo de humanização. O homem que sofria de síndrome do pânico no primeiro filme, agora também chora. E se redime. Nesse caminho, Tropa de Elite 2 não poderia ser encerrado de outra forma: em contraponto à morte da cena final do original, a vida da cena final desta brilhante conitnuação.

sábado, 2 de outubro de 2010

[wall street: o dinheiro nunca dorme]

Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme
Wall Street: Money Never Sleeps, 2010
Oliver Stone


Acho admirável que um diretor resolva fazer uma continuação de alguma obra sua por motivos autorais, sem cair na tão comum lógica das franquias cinematográficas. É o caso desse Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme, continuação de Wall Street: Poder e Cobiça, de 1987, que deu a Michael Douglas o Oscar de melhor ator. Por mais que o personagem de Douglas, Gordon Gekko, fosse marcante (e ele era), isso não parecia ser o suficiente para apontar para a realização da sequência de um drama sobre o mundo da especulação financeira, que, no fim das contas, se resolvia muito bem. E mais difícil ainda seria imaginar alguém como Oliver Stone topar comandar uma sequência como essa.
Pois reside justamente aí o caráter autoral do novo
Wall Street. Cineasta conhecidamente de esquerda, Stone aceitou retornar a Gekko e àquele mundo onde a ganância é boa pois viu ali uma excelente oportunidade para apresentar sua visão sobre a mais recente crise econômica mundial. Essa é a justificativa primordial para a existência do filme. Nesse sentido, Wall Street 2 é tudo o que se poderia esperar de um trabalho do bom e velho Oliver Stone: ácido, implacável em suas críticas, e permeado por performances memoráveis de seus atores. Shia LaBeouf confirma ser um dos atores jovens mais talentosos da atualidade; Carey Mulligan surge graciosa e cativante; Frank Langella comove com seu personagem trágico carregado de dignidade. Mas é Josh Brolin quem rouba a cena, como um inescrupuloso vilão, a incorporação mais assustadora do capitalismo selvagem e destrutivo. Seu personagem é o equivalento ao Gekko do filme de 1987, e são de Brolin as melhores cenas e falas do filme (há um diálogo particularmente marcante com LaBeouf, onde sua resposta a uma pergunta deste sintetiza perfeitamente todo aquele universo).

Mas, e Gekko? Apresentado inicialmente como uma aparente peça anacrônica em um mundo moderno (assim como seu celular), o personagem de Michael Douglas acaba se revelando mais atual que nunca. Ganancioso, ardiloso e manipulativo, Gordon Gekko continua totalmente compatível com a lógica capitalista do século XXI. No entanto, algo mudou no personagem, depois de 8 anos na prisão. Todo o sofrimento causado à família parece ter despertado uma pontinha de humanidade no sujeito que Stone e Douglas se mostram dispostos a ressaltar. E reside aí o maior problema de
Wall Street 2. Douglas está excelente, como seria de se esperar, e sua composição dessa faceta humana de Gekko é irretocável. O problema é que esse olhar mais sentimental para o personagem parece simplesmente não combinar com os propósitos do filme. Confesso que senti falta de seu cinismo detestável que tornava o longa original tão inesquecível. Numa obra sobre capitalistas selvagens, a humanização excessiva de Gekko (que chega a garantir um final feliz para sua história) soa como atenuação de seus atos, diminuindo a acidez da crítica proposta por Stone. Foi por isso que, se fui ao cinema para matar a saudade do personagem mais marcante da carreira de Michael Douglas, saí de lá impressionado mesmo com o Bretton James de Josh Brolin.

domingo, 26 de setembro de 2010

[5x favela - agora por nós mesmos]

5x Favela - Agora por Nós Mesmos
5x Favela - Agora por Nós Mesmos, 2010
Wagner Novais & Manaíra Carneiro, Rodrigo Felha & Cacau Amaral, Luciano Vidigal, Cadu Barcellos, Luciana Bezerra


Quando o primeiro 5x Favela foi lançado, em 1962, o cinema brasileiro vivia um estágio bastante especial. Começava a despontar aquele que seria o mais importante movimento cinematográfico do país, o Cinema Novo, e a coletânea de curtas trouxe trabalhos iniciais de alguns daqueles que se destacariam neste movimento: Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman e Carlos Diegues. Produzido sob os auspícios do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (instituição imbuída naquele momento em produzir uma arte que trouxesse valores nacionais e populares, contribuindo para a conscientização das massas e, logo, para uma futura revolução socialista), 5x Favela estava marcado profundamente por esta ideologia: era um filme que trazia tudo aquilo que depois seria duramente criticado pelos opositores desse tipo de arte "populista", uma visão paternalista do povo que, ao mesmo tempo, subestimava este, dando aos intelectuais de classe média (cineastas de esquerda entre eles) a tarefa de guiá-lo, conscientizá-lo.
Por isso, o subtítulo dessa nova versão (que tem Diegues entre seus produtores), Agora por nós mesmos, é tão sintomático. O novo 5x Favela é um filme absolutamente diverso, primordialmente por estabelecer diálogo intrínseco com o tipo de cinema "de comunidade" que se faz hoje no Brasil. Um cinema que se afasta cada vez mais dos "grandes temas", dos olhares mais totalizantes e explicativos da realidade de desigualdade do país para tentar se aproximar das questões cotidianas das pessoas que vivem nas periferias das grandes cidades brasileiras. Não há a pretensão de explicar a pobreza, mas sim de torná-la uma experiência de vida cotidiana, com momentos de dor e de prazer, contada por pessoas que a conhecem de perto. É nesse caminho que vão os três melhores segmentos do filme, o despretensioso "Acende a Luz", de Luciana Bezerra, o terno "Arroz com Feijão", de Rodrigo Felha e Cacau Amaral (que lembra em alguns momentos "Couro de Gato", o curta de Joaquim Pedro que compunha o projeto original), e o belíssimo "Deixa Voar", de Cadu Barcellos. São todos filmes simples, despretensiosos, mas que cativam pela delicadeza, especialmente no caso de "Deixa Voar", representantes de um tipo de cinema que esses jovens diretores da periferia carioca parecem dominar muito bem.
Em contrapartida, é justamente quando esses cineastas tentam abordar temas mais amplos, como a violência e o tráfico ("Concerto para violino", de Luciano Vidigal) e a desigualdade econômica ("Fonte de Renda", de Manaíra Carneiro e Wagner Novaes), que 5x Favela desanda. Esses trabalhos soam desajeitados, fora do lugar, além de absolutamente mal resolvidos (a conclusão de "Fonte de Renda", por exemplo, é de uma preguiça irritante). E essa é uma perda importante para o nosso cinema: cada vez mais parecemos menos capazes de enxergar os macro-problemas da nossa sociedade sem ter de apelar para lugares-comuns, para moralismos ou para saídas que flertam com posições mais reacionárias (à lá Tropa de Elite, mas que não é o caso aqui).