sábado, 28 de agosto de 2010

[os mercenários]

Os Mercenários
The Expendables, 2010
Sylvester Stallone



Não dá para cobrar de Os Mercenários algo que ele não quer ser. O filme é uma grande homenagem a um tipo de cinema de ação produzido na década de 1980, e que marcou as carreiras de atores como Sylvester Stallone (exemplo: Stallone Cobra, de 1986) e Arnold Schwarzenegger (exemplos: Comando para Matar, de 1985, e Jogo Bruto, de 1986), cinema marcado por personagens unidimensionais, sujeitos brutos (mas com alguns bons sentimentos) em busca de alguma vingança - e, para alcancá-la, deixavam um bom número de cadáveres pelo caminho. Esses já não eram filmes que se levavam muito a sério, logo, não dá para levar tão à sério uma homenagem/retorno a eles. Não dá, portanto, para cobrar de Os Mercenários profundidade dramática, originalidade no roteiro, ou mesmo cenas de ação revolucionárias: estamos falando aqui de Stallone, não de Christopher Nolan.
Por outro lado, também não acho ser possível atribuir ao filme um valor artístico intrínseco, como alguns vêm fazendo. Os Mercenários não é, e nem quer ser, "filme de arte". É, isso sim, um "filme de porrada", com sujeitos musculosos destruindo uns aos outros, e explodindo alguns pobres coitados no caminho. Não há espaço para a sensibilidade de um Rocky Balboa. É, em resumo, tudo o que se poderia esperar de um filme como esse: rápido, violento, cheio de lugares-comuns, politicamente incorreto, mas, acima de tudo, extremamente divertido. E com Mickey Rourke roubando a cena (seu já tão comentado monólogo por muito pouco não eleva o filme a um outro patamar). Nem mais, nem menos. Não há do que reclamar.

domingo, 15 de agosto de 2010

[uma noite em 67]

Uma Noite em 67
Uma Noite em 67, 2010
Renato Terra & Ricardo Calil



Construiu-se no Brasil uma memória mitificada (e mitificadora) do cenário artístico-cultural (musical, cinematográfico, teatral) do país da década de 1960, especialmente em sua segunda metade, e os festivais de música popular brasileira (seja o da TV Record, seja o Festival Internacional da Canção, da Globo), fazem parte dessa memória heróica daqueles duros e ricos anos. No entanto, por mais que possamos criticar esse endeusamento de um determinado momento de nossa história artística, e também de algumas figuras específicas (Caetano Veloso, Gilberto Gil e, principalmente, Chico Buarque, se tornaram verdadeiros cânones da música brasileira), não há como não se render à força daquela época quando se assiste a um filme como Uma Noite em 67.
Caetano, Gil e Chico não se tornaram cânones à toa, e vê-los praticamente nascendo para o público (no caso dos dois primeiros) é emocionante. Ver músicas como "Alegria, alegria", "Domingo no Parque" e "Roda-Viva" ganhando vida, em interpretações icônicas, é inesquecível. E ver a quantidade de outros grandes nomes da música popular brasileira reunidos naquele festival de 1967 é inebriante: fica a vontade (frustrada) de tentar entender qual confluência de forças cósmicas tornou possível tanto talento surgindo ao mesmo tempo. O documentário de Renato Terra e Ricardo Calil se sustenta por todo o tempo sobre a força das imagens de arquivo que apresenta. Reside aqui seu grande mérito (pois são momentos marcantes, incontornáveis na recente história brasileira) e seu grande defeito. Por apostar excessivamente nessa força de suas imagens, Uma Noite em 67 se transforma praticamente em um relatório do que aconteceu naquele festival, sem grandes reflexões e/ou debates. Provavelmente esse papel seria exercido pelas entrevistas que completam a narrativa do filme, no entanto, estas são, em sua grande maioria, pouco inspiradas, repetitivas, previsíveis, e que somente reiteram o que estamos vendo na tela. Não há discussões mais aprofundadas sobre, por exemplo, o tropicalismo, que começava sua escalada na música popular brasileira extamente naquele festival; ou sobre o momento político vivido pelo Brasil; ou mesmo sobre qual era o papel que os festivais de música popular exerciam naqueles anos. Uma Noite em 67 é puramente a celebração de uma época, mas sem desejar ir muito a fundo nela. Como estamos falando aqui da canonizada (mas irresistível) década de 1960, seria de se esperar muito mais.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Origem



Christopher Nolan é um grande entertainer. Talvez o maior da Hollywood atual. O diretor incorpora tudo aquilo que a dupla de protagonistas de um de seus melhores filmes, O Grande Truque, buscava produzir: entretenimento de qualidade agregado a uma imensa capacidade de instigar. Nolan é um desafiador de plateias, mas não deixa de ser, em nenhum momento, parte do mainstream. A Origem é uma mostra perfeita disso. É, antes de qualquer coisa, um gigantesco e megalomaníaco filme de ação, com um ritmo ininterrupto, vertiginoso, bem próximo ao de seu último trabalho, a obra-prima O Cavaleiro das Trevas. E, como tal, é irretocável: é dono de uma narrativa absurdamente tensa e envolvente, que faz suas quase 2 horas e meia de duração passarem voando, e de algumas sequências de cair o queixo (Paris dobrando-se sobre si mesma é a melhor delas).

Ao mesmo tempo, o filme é construído sobre um roteiro que busca, a todo o tempo, provocar o espectador, confundi-lo (mas não muito), surpreendê-lo. Não é, de forma alguma, um filme preguiçoso, repetidor de fórmulas de sucesso, por mais que a ousadia de Nolan tenha limites, e A Origem nunca trabalhe excessivamente no campo do absurdo (algo que seria bastante plausível, em se tratando de um filme sobre sonhos). Um bom exemplo disso é o uso, esperado, de uma personagem como alter-ego da plateia, alguém para quem todos os passos do que acontece na tela será explicado - aqui, interpretada por Ellen Page. Esse é um recurso válido e compreensível e, justiça seja feita, Nolan o utiliza com parcimônia, passando longe de um didatismo em excesso, mas, ainda assim, é uma demonstração de que o diretor não está disposto a radicalizar demais na sua abordagem do tema. O que se tem em A Origem é algo muito mais próximo de um Matrix do que de um Cidade dos Sonhos, por exemplo. Christopher Nolan não é David Lynch, e nem quer ser, e isso não é demérito algum.

No entanto, em algo Nolan e Lynch se aproximam, se esbarram: ambos sabem como tornar empáticos personagens e situações frequentemente confusas, inexplicáveis (ao menos à primeira vista). Os dois diretores se preocupam muito com a construção dos dramas das figuras que permeiam seus filmes, dramas que, muitas vezes, tomam conta da narrativa, se sobrepondo mesmo aos seus mistérios e reviravoltas. Era difícil não se envolver e comover com a personagem de Naomi Watts em Mulholland Drive, mesmo quando não tinhamos a menor ideia do que estava acontecendo com ela. E, em A Origem, é igualmente difícil desprender-se da tragédia vivida por seu protagonista (interpretado por um Leonardo DiCaprio perfeito). Em meio a tantas explosões, tiros, correria, explicações, reviravoltas, o momento chave do filme de Nolan, aquele que dá um nó na garganta do espectador, é justamente quando o passado trágico do personagem de DiCaprio é revelado, num belíssimo flashback ao lado de Marion Cotillard. É ali que todo o filme se justifica. E é ali que Christopher Nolan confirma o que muitos parecem saber, mas poucos colocam realmente em prática: entretenimento, sem alma, sem o elemento humano, cai rapidamente no esquecimento. Felizmente, esse não é o caso.


A Origem 
Inception, 2010
Christopher Nolan