quarta-feira, 29 de dezembro de 2010


[as crônicas de nárnia: a viagem do peregrino da alvorada]

As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada
The Chronicles of Narnia: The Voyage of the Dawn Treader, 2010
Michael Apted


Uma confissão: eu gosto de As Crônicas de Nárnia. Acho o primeiro filme da série, O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa uma aventura infanto-juvenil de qualidade, envolvente e empolgante na medida certa, e o segundo, Príncipe Caspian, uma bem-vinda demonstração de amadurecimento, com um tom um pouco mais adulto, mas sem perder o senso de aventura demonstrado no primeiro. Acima de tudo, se Nárnia nunca chegou ao nível de um Harry Potter (e muito menos de O Senhor dos Anéis), ao menos sempre esteve à frente em qualidade dos inúmeros filmes de fantasia que inundam os cinemas todos os anos (A Bússola de Ouro, Eragon, Percy Jackson e tantos outros que não perdi meu tempo assistindo...).
Infelizmente não dá para dizer o mesmo deste terceiro capítulo da série. A Viagem do Peregrino da Alvorada até tem lá seus momentos divertidos, o final até é bonitinho e emocionante, mas, no geral, é um filme muito fraco. Há um claro retrocesso no nível de maturidade alcançado em Príncipe Caspian, com a narrativa se assumindo a todo momento como puramente infantil. Além do mais, tudo soa excessivamente gratuito na trama. Não parece haver motivação real para os personagens fazerem o que fazem, ao contrário dos filmes anteriores. É a aventura pela aventura, descartando qualquer senso de perigo que poderia existir neste tipo de postura (nos filmes anteriores, sempre temíamos por aquele grupo de crianças no campo de batalha, e o risco de algo acontecer a elas era minimamente real, algo que não ocorre aqui). Pela primeira vez na série, também, sua mensagem religiosa me incomodou. Apesar de não ser cristão (nem nenhuma outra coisa), sempre levei numa boa o subtexto de Nárnia, até porque, no fim das contas, as mensagens de respeito, amizade e amor que os filmes buscam passar estão acima de qualquer crença religiosa. Mas em A Viagem do Peregrino da Alvorada as opções religiosas de C. S. Lewis se explicitam ainda mais, chegando ao ápice com o leão Aslan revelando possuir "outro nome" no nosso mundo... desnecessário, não?
É mesmo uma pena que As Crônicas de Nárnia, que caminhava para se firmar como a terceira melhor série de filmes de fantasia dos últimos anos, com dois filmes tão encantadores, sofra essa queda de qualidade (coincidentemente ou não, justamente quando trocou de diretor). Até acho que Nárnia ainda ocupa este posto, mas agora é mais por falta de opções mesmo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010


[decepções cinematográficas de 2010]

Num ano cheio de decepções, em quase todas as áreas da vida, o cinema não poderia ficar de fora, certo? Aqui estão os 5 filmes que mais me decepcionaram em 2010. Não são os piores filmes do ano, necessariamente - são obras das quais eu esperava algo de bom, mas que não corresponderam tal expectativa. Vamos a elas.


Alice no País das Maravilhas
Alice in Wonderland, 2010
Tim Burton


O eterno diretor do quase desta vez sequer chegou perto de fazer uma obra-prima. Alice parecia ter sido escrito para ser adaptado por Tim Burton. Mas seu filme é puro espetáculo visual (cansativo, por sinal) e conteúdo zero.


Direito de Amar
A Single Man, 2009
Tom Ford


Colin Firth dá um show, mas a estreia do estilista Tom Ford na direção é um filme vazio, muito mais preocupado em criar imagens plasticamente arrebatadoras. Até consegue. Mas o fiapo de história não consegue se sustentar em momento algum.


Educação
An Education, 2009
Lone Scherfig


O filme indie britânico mais badalado da temporada de prêmios do ano passado é na verdade uma historinha boba, conservadora e moralista. Uma pena. A maravilhosa Carey Mulligan merecia bem mais.


Sede de Sangue
Bak-Jwi/Thirst, 2009
Chan-Wook Park


O diretor de Old Boy em um filme sobre um padre vampiro? Obra-prima, certo? Infelizmente não. Park perdeu totalmente a mão numa história que tenta, sem motivos, misturar drama, horror e humor. Não tem graça, não comove e nem assusta. Constrangimento puro.


Um Olhar do Paraíso
The Lovely Bones, 2009
Peter Jackson


A adaptação do comovente livro de Alice Sebold deveria promover o reencontro de Peter Jackson com sua veia mais intimista, esquecida desde Almas Gêmeas. Mas o resultado foi um melodrama carregado, onde tudo, do visual ao elenco, parece um tom acima do ideal.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010


[abutres]

Abutres
Carancho, 2010
Pablo Trapero


Abutres foi o terceiro filme que assisti de Pablo Trapero, um dos mais badalados cineastas argentinos do momento. E acho que posso dizer que é o melhor deles. Pela primeira vez realmente me importei com os personagens de um filme de Trapero, senti as imagens criadas pelo diretor pulsarem na tela (algo que não percebo em Do Outro Lado da Lei e em Leonera, ainda que tenha que rever este segundo).
Visceral é uma boa palavra para definir Abutres. A trama é absurdamente simples, remete aos muitos filmes já produzidos sobre dois habitantes de um universo violento que encontram, um no outro, conforto e saída para suas duras realidades (só para citar um, que foi mesmo o primeiro que me veio à mente diante do filme de Trapero, o maravilhoso e comovente Despedida em Las Vegas, com Nicolas Cage e Elisabeth Shue). O diretor se embrenha, aos poucos, neste mundo, indo de uma narrativa que aparenta, em seu início, uma mera sucessão de episódios repetidos (os salvamentos da personagem de Martina Gusmán e os golpes de Ricardo Darín), para uma crescente tentativa de livrar o casal de protagonistas de tamanha brutalidade, o que gera momentos absurdamente angustiantes - culminando na espetacular sequência final. Por vezes, Abutres lembra o cinema de Alejandro González Iñarritu, especialmente Amores Brutos - em sua estética suja, nervosa, e em seu olhar de compaixão para personagens marginalizados, de moralidade ambígua -, mas sem as doses incômodas de pretensão que costumam atrapalhar os filmes do mexicano (vide Babel). Um filme pequeno, mas que se garante nas interpretações fortes de seus protagonistas e na direção impecável de Trapero.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010


[the walking dead - primeira temporada]

The Walking Dead
The Walking Dead, 2010
Frank Darabont


O grande problema desta primeira temporada de The Walking Dead é sua duração excessivamente curta (são apenas 6 episódios). Apesar de trabalhar em um universo já explorado à exaustão em outras mídias (particularmente o cinema), e de não trazer nada de realmente novo a este universo (ao menos por enquanto), a série criada e produzida por Frank Darabont funciona muito bem. Os atores são ótimos (me chamaram mais atenção o protagonista, Andrew Lincoln, e o ator-fetiche do diretor, o sempre ótimo Jeffrey DeMunn, mas não há quem esteja mal em cena), os personagens bem desenvolvidos, a trama envolvente, os zumbis repugnantes e assustadores.
Assim como em seu memorável O Nevoeiro, Darabont opta por utilizar uma ameaça externa e irracional para falar dos seres humanos que têm de enfrentá-la, levá-los até o limite, e lembrar ao espectador o quanto a tal natureza humana pode ser sinistra. Também não há nada de novo aqui, mas Darabont sabe fazer isso como poucos. Na verdade, acho que o grande problema da primeira temporada de The Walking Dead não é sua curta duração, mas sim o fato de ser absurdamente viciante (provavelmente poderiam ser 100 episódios, que ainda assim acharia pouco). E isso me preocupa, levando-se em conta que a última vez que me senti assim em relação a uma série de TV foram necessários 6 anos (e muita discussão) para conseguir deixar para trás uma certa ilha misteriosa...

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

[trailer: a árvore da vida]

Há quem torça o nariz para o cinema de Terrence Malick. Há quem o ache chato, pretensioso, superestimado, difícil. Eu me incluo naqueles que, mesmo encontrando algumas dificuldades com seus filmes vez ou outra, se impressionam com a força e beleza das imagens criadas pelo cineasta, e que, a cada revisão de Além da Linha Vermelha, O Novo Mundo ou Terra de Ninguém, se sentem um pouco mais tocados por seu cinema-sinfonia-poesia. E, logo, me incluo também no grupo dos que se empolgaram diante do belíssimo trailer de A Árvore da Vida, o novo trabalho de Malick. Por que Julho de 2011 não chega logo?


quinta-feira, 16 de dezembro de 2010


[você vai conhecer o homem dos seus sonhos]

Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos
You Will Meet a Tall Dark Stranger, 2010
Woody Allen


Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos é um ótimo contraponto ao filme imediatamente anterior de Woody Allen, Tudo Pode Dar Certo. Enquanto na comédia protagonizada por Larry David o diretor novaiorquino exibia um inusitado e contangiante otimismo - mesmo que através de um protagonista neurótico e amargo -, nesse seu novo trabalho Allen mergulha seus personagens em um clima de pessimismo quase total, ainda que isso nem sempre fique claro num primeiro olhar. Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos pode parecer uma simples comédia romântica com toques dramáticos, com um grupo de personagens correndo em busca do amor, mas o filme é bem mais amargo e ambicioso do que isso - algo que fica bem claro em seus momentos finais, quando tudo simplesmente começa a dar errado para todos os seus personagens (e quando Allen faz uma desiludida defesa da capacidade de auto-ilusão do ser humano). É aqui que o longa se contrapõe de vez a Tudo Pode Dar Certo e passa a fazer um belo conjunto com outras obras do diretor, de viés mais trágico (Crimes e Pecados, Match Point e O Sonho de Cassandra). Afinal, se pensarmos na vida daqueles personagens continuando após os créditos finais de Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos, não seria nada surpreendente que alguns deles tomassem medidas drásticas diante dos rumos de suas vidas - especialmente no caso do escritor vivido por Josh Brolin.
No entanto, é importante dizer que estamos aqui diante de um filme menor de Woody Allen. Apesar da aproximação com os filmes citados acima, Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos passa longe da força dramática de um Crimes e Pecados ou de um Match Point. Os atores parecem preguiçosos em cena (principalmente Antonio Banderas, uma nulidade total) e a trama simplesmente não engrena. Brolin é quem, mais uma vez, se destaca no elenco, e é com seu personagem que mais nos preocupamos durante o filme. A impressão é, em alguns momentos, de que estamos diante de um daqueles trabalhos esquecíveis que Allen costuma fazer no intervalo de obras memoráveis (só para ficarmos nessa década, vale lembrar da despretensiosa comédia Scoop, por exemplo, produzida entre Match Point e O Sonho de Cassandra), no entanto, ainda assim, o filme tem seus méritos e, como disse no início, é muito mais sério e pessimista do que pode aparentar à primeira vista. Um filme menor de Woody Allen ainda é cinema de qualidade.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010


[cidadão boilesen]

Cidadão Boilesen
Cidadão Boilesen, 2009
Chaim Litewski


Geralmente, o cinema que se produz sobre os anos nos quais o Brasil viveu sob o governo dos militares (1964-1985) é um cinema altamente militante, de esquerda, que se preocupa muito pouco em problematizar determinados lugares-comuns e em trazer à tona outras vozes, outros olhares. Apesar de me identificar politicamente com essa militância, me pergunto às vezes se, enquanto cinema e olhar sobre uma época, esse tipo de postura não pode se tornar empobrecedora. O documentário Cidadão Boilesen é exemplar no sentido de mostrar o quanto ouvir o inimigo pode servir para fortalecer muito mais aquele que ouve do que aquele que fala.
Ao contar a trajetória polêmica de Henning Boilesen - dinamarquês naturalizado brasileiro, presidente da Ultragaz na década de 1960, que financiou a repressão aos movimentos de esquerda contrários aos governos militares e chegou mesmo a participar de sessões de tortura -, o cineasta Chaim Litewski opta por ouvir também não só os familiares do sujeito (que, naturalmente, buscam recuperar sua imagem, negando as acusações que pesam sobre ele), como também algumas figuras grotescas do período (uma série de militares reformados que esbanjam cinismo, um ex-agente da sinistra Operação Bandeirante e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ulstra, ex-comandante do Doi-Codi e um dos principais alvos dos que hoje lutam por punição para os torturadores do regime militar brasileiro). Vê-los falar é uma experiência que provoca incômodo e revolta, ainda que o filme não busque julgá-los explicitamente. E, por isso, é curioso perceber como as escolhas de Litewski em seu filme acabam por fortalecer ainda mais um olhar de horror para a figura de Boilesen e para todos aqueles que aparecem na tela tentando defendê-lo. O impacto dos atos do dinamarquês, a barbárie que sua figura passou a representar, permanecem gigantescos.
Depois de ouvir seu filho buscando redimi-lo, os diversos militares esforçando-se por inocentá-lo, depois de ver cenas da família Boilesen aos prantos no velório do industrial, ainda assim, o que fica na memória, são os relatos sobre a "pianola Boilesen", instrumento de tortura trazido para o Brasil pelo sujeito. Daí entendemos o sentimento de euforia entre as esquerdas brasileiras quando da sua execução. Como diz um entrevistado em determinado momento do filme, pode soar estranho, hoje, que alguém deseje assim, com tanta força, publicamente, a morte de outra pessoa. Mas basta assistir Cidadão Boilesen para, no mínimo, entender este sentimento.

sábado, 4 de dezembro de 2010

A Rede Social



Como tornar minimamente interessante um filme sobre a criação do Facebook? Seria, aliás, sequer possível construir um longa-metragem sobre uma rede social virtual? E o que um diretor como David Fincher fazia em um projeto como esse? Confesso ter-me feito perguntas como estas quando soube do projeto A Rede Social, e, durante um bom tempo, as tive como guia na formação de minha visão antecipada sobre tal filme - algo que durou, pelo menos, até o lançamento de seu primeiro trailer.

Contra todas as previsões, Fincher, dando continuidade ao processo de transformação de seu cinema inventivo e provocativo em algo mais palatável e tradicional - mas, ainda assim, de alta qualidade -, consegue transformar a trajetória de dois jovens universitários que criaram um site de relacionamentos que hoje faz parte da vida de pessoas de todos os cantos do mundo (e que poderia muito bem ter rendido um documentário, por exemplo, talvez o formato mais óbvio para um filme como este), em uma obra de ficção carregada de carga emocional. A Rede Social é um filme bastante adulto sobre um mundo jovem, um drama maduro que se alicerça em uma trama simples para mostrar não só o nascimento de um fenômeno virtual, mas principalmente para contar uma boa história, com personagens bem desenvolvidos e uma narrativa segura de si, muito bem construída e conduzida.

Fincher, que um dia embrulhou estômagos e causou polêmicas com obras como Seven e Clube da Luta, agora entrega um trabalho bem menos pesado e ousado, mas que se leva tão a sério (ou até mais) quanto seus primeiros - e mais celebrados - filmes. Esse é, definitivamente, o grande acerto do diretor. É pela postura de nunca desmerecer uma história que poderia parecer banal que Fincher consegue fazer de A Rede Social uma obra admirável, com um elenco jovem inspiradíssimo (Jesse Eisenberg é mesmo excelente, mas, em minha opinião, o grande nome do filme é Andrew Garfield, adorável em seu bom-mocismo e comovente como vítima de seu melhor amigo) e uma história envolvente. É por levarem seu filme a sério que Fincher e o roteirista Aaron Sorkin fazem com que momentos como aquele em que surge a ideia para a inclusão do "status de relacionamento" no perfil do usuário do Facebook - algo que pode soar idiota hoje em dia - sejam fundamentais para a narrativa. A Rede Social é irretocável enquanto cinema e acaba se transformando, talvez à revelia de suas pretensões iniciais, em um despretensioso, mas poderoso, retrato de uma geração.


A Rede Social 
The Social Network, 2010
David Fincher