terça-feira, 27 de dezembro de 2011


[tudo pelo poder]

Tudo pelo Poder 
The Ides of March, 2011
George Clooney


Tudo pelo Poder é a confirmação da vocação de George Clooney para o cinema político. Depois do equivocado O Amor Não Tem Regras (inesperada involução numa carreira ascendente), o diretor retorna à lógica de seu bem-sucedido (e ainda melhor trabalho) Boa Noite e Boa Sorte: fez um filme pequeno, redondo, bem escrito, com uma narrativa alicerçada sobre diálogos afiados - que retratam um mundo cheio de terminologias próprias sem nunca deixar de ser claro para o espectador - e grandes atuações de seu elenco (com especial destaque para Ryan Gosling e Phillip Seymour Hoffman). Cinema político que nunca perde de vista o elemento humano. A Clooney parece interessar, sobretudo, os efeitos da política sobre a vida das pessoas (em Boa Noite e Boa Sorte, o diretor tratava das consequências devastadoras da perseguição empreendida pelo senador Joseph McCarthy sobre um determinado grupo de personagens; aqui, o foco está no poder corruptor da política, mesmo sobre os sujeitos mais idealistas).
Tudo pelo Poder é tenso, envolvente, assustador na forma como apresenta uma disputa quase fratricida dentro do Partido Democrata norte-americano. É um filme carregado de cinismo em seu olhar para a lógica que move as disputas eleitorais nos EUA e para os possíveis efeitos transformadores da política em uma sociedade: não parece haver, em toda sua narrativa, uma brecha que nos permita acreditar que mesmo uma figura liberal e progressista como Mike Morris faria algo de realmente diferente na Presidência do país (ecos de Obama?). E o processo de construção desse olhar é conduzido de maneira exemplar por Clooney: a sensação é de que tudo está em seu devido lugar em Tudo pelo Poder - o que, claro, pode ser visto também como um problema. Não há rompantes de ousadia, nem espaço para brilhantismo, mas o filme de Clooney é perfeito em sua total correção.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011


[trabalhar cansa]


Trabalhar Cansa 
Trabalhar Cansa, 2011
Juliana Rojas e Marco Dutra


O que mais impressiona em Trabalhar Cansa é a fluidez com que seus diretores trafegam entre o drama familiar e o horror macabro. Melhor: o horror macabro é aqui, parte componente fundamental do drama familiar, mas não no sentido comum de tantos filmes que buscam apenas gerar medo no espectador - o desespero existencial em que vivem aqueles personagens é concretizado, em tons alegóricos, nos momentos de horror do filme. 
Tudo muito bonito e sofisticado, mas com forte propensão para o fracasso, não fossem as mãos firmes de Juliana Rojas e Marco Dutra, que constróem uma narrativa baseada no mínimo, em pequenos momentos intimistas que acentuam, aos poucos, o inferno em que mergulham os protagonistas de Trabalhar Cansa. O desemprego, a busca por um novo empreendimento, o casamento estável que flerta com o tédio, as relações trabalhistas com a empregada doméstica... há um indefinível descompasso nisso tudo, no verniz de civilidade que rege toda a existência em sociedade (daí a força gigantesca da apoteótica cena final, que também coroa o desempenho brilhante de Marat Descartes). Descompasso que, justamente por ser indefinível, é sabiamente manifesto no filme através do estranho, do macabro, do sobrenatural, de uma maneira que gera incômodo por si só, ao mesmo tempo que torna o drama dos personagens insuportavelmente intenso. Apavorante como filme de horror e poderoso enquanto drama familiar/social, Trabalhar Cansa é o grande filme que é por conseguir, com tamanha propriedade, fazer desses dois gêneros uma coisa só. 

terça-feira, 20 de dezembro de 2011


[o garoto da bicicleta]


O Garoto da Bicicleta 
Le Gamin au Vélo, 2011
Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne


Ainda que pelos caminhos tortuosos do cinema dos irmãos Dardenne, O Garoto da Bicicleta é um filme profundamente otimista. Não que não se trate de uma narrativa dura com seus personagens, como costumeiramente ocorre na filmografia dos diretores, mas aqui, diferentemente do que fizeram em obras como Rosetta e A Criança, os Dardenne parecem apontar para um possibilidade de fuga, de salvação. E, surpresa, esta surge através do amor, do incondicional amor de uma mulher solitária por uma criança - vividos, respectivamente, pelos maravilhosos Cécile de France e Thomas Doret.
Pelos olhos dos diretores, no entanto, essa história é contada, como seria de se imaginar, sem um pingo de melodrama: estão presentes a estética (neo?)realista (como não pensar nisso diante da importância dada a uma bicicleta?), a câmera na mão, a narrativa seca, o trato brutal com os personagens. O respiro nisso tudo surge em pequenos, mas importantes, detalhes, como o uso pontual da música (algo pouco comum nos filmes dos diretores), mas, principalmente, na sequência final de O Garoto da Bicicleta. Ali, os Dardenne parecem estar no limiar entre dar o rumo esperado (ao menos por aqueles que conhecem um pouco o cinema dos irmãos belgas) para seu protagonista ou apontar para um novo caminho, e a forma como a transição entre essas duas opções ocorre é impactante justamente por sua sutileza e naturalidade. E, no fim das contas, não é melhor mesmo que seja assim?