segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Festival do Rio 2013: dia 1



O primeiro dia da minha breve passagem pelo Festival do Rio 2013 foi marcado por um bom filme policial vindo de Hong Kong (Blind Detective, de Johnnie To) e por dois potenciais candidatos ao próximo Oscar que estão em polos dramatúrgicos opostos: o delicado Nebraska, de Alexander Payne, e o grandioso e choroso O Mordomo da Casa Branca, de Lee Daniels.

O novo longa de To, responsável pelas obras-primas Eleição e Eleição 2, é um tanto surpreendente pela aposta num tom exageradamente cômico. A cegueira do protagonista vivido por Andy Lau e sua relação atabalhoada com a personagem de Sammi Chang rendem cenas de inusitado humor físico, que nem sempre funciona. Mas o saldo final de Blind Detective é positivo. Como grande diretor que é, To cria alguns momentos memoráveis em seu filme (a sequência na casa do serial killer, as reconstituições dos crimes investigados, as conversas imaginárias com as vítimas) e faz a brilhante escolha de transportar para o centro da narrativa o lado comilão do personagem de Lau: mais que uma excentricidade sem importância, o amor que o sujeito nutre por comida é fundamental para o êxito de seu trabalho. Blind Detective pode não ser excepcional como outros longas do diretor, mas ninguém pode acusar To de não se arriscar.

Já Alexander Payne se arrisca muito pouco em Nebraska, filme que guarda semelhanças temáticas com outros trabalhos seus, como As Confissões de Schmidt e principalmente o recente Os Descendentes, também uma história de reencontro afetivo de uma família. Nada que impeça Payne de esbanjar sua delicadeza costumeira, arrancar risos francos (graças especialmente à ótima June Squibb) e presentear o público com uma belíssima interpretação de Bruce Dern. É difícil não se emocionar com o olhar perdido e andar arquejado do personagem de Dern, elementos que compõem uma figura decadente que, na verdade, nunca foi realmente grande. Payne dosa bem essa melancolia inerente à decadência com um certo otimismo no poder de reaproximação daqueles que se amam (mesmo sem saber de tal amor), o que rende a Nebraska, como rendia a Os Descendentes, um belo final.

Por fim, O Mordomo da Casa Branca é um lamentável olhar de Lee Daniels, supostamente um representante do novo cinema negro norte-americano, sobre a história recente de seu país. Ao narrar a vida de Cecil Gaines (Forest Whitaker), mordomo negro que trabalhou por 34 anos na sede do poder executivo dos Estados Unidos, Daniels aposta numa narrativa triunfalista, de exaltação do americano comum que via com olhos de desconfiança a rebeldia da juventude da década de 1960. Não deixa de ser estranho, por isso, que o diretor dedique seu filme àqueles que lutaram pelos direitos civis dos negros, após passar mais de duas horas creditando à Gaines, com sua postura conciliadora, o posto de verdadeiro revolucionário. Daniels não parece, no fim das contas, saber exatamente o que pretende com O Mordomo da Casa Branca. O resultado é um drama burocrático, episódico e cansativo, que, ao fazer elegias ao seu protagonista, esvazia politicamente uma narrativa que deveria ser, sobretudo, sobre a política.



Blind Detective 
Man Tam, 2013
Johnnie To

Nebraska 
Nebraska, 2013
Alexander Payne


O Mordomo da Casa Branca 
Lee Daniels' The Butler, 2013
Lee Daniels

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Elysium



Distrito 9 (2009) é um grande filme. Mistura perfeita de entretenimento com discurso político, essa ficção-científica inventiva, que se constrói como uma amarga metáfora sobre o preconceito, colocou o diretor sul-africano Neill Blomkamp no mapa da crítica e dos grandes estúdios de Hollywood. Daí as altas expectativas em relação a Elysium, segundo longa-metragem de Blomkamp que, apesar do grande orçamento e dos nomes conhecidos no elenco (principalmente Matt Damon e Jodie Foster), parecia ser capaz de repetir a principal qualidade do seu trabalho de estreia: contar uma história socialmente relevante sem deixar de ser um grande filme de gênero.

Ledo engano. Bem, de fato Elysium traz um novo esforço do diretor por criticar as injustiças do mundo. Sai de cena o preconceito racial de uma sociedade ainda profundamente marcada pelos anos do Apartheid para dar lugar à boa e velha luta de classes, conceito recorrentemente aproveitado nos filmes de ficção-científica. Mas se Blomkamp parecia saber do que estava falando no longa anterior, aqui ele só consegue cair no maniqueísmo ao representar o embate entre miseráveis predestinados e milionários desalmados. Falta sofisticação à crítica proposta por Elysium, o que é uma pena. E os problemas não param por aí. Blomkamp, sabe-se lá se por escolha própria ou imposição do estúdio, construiu uma narrativa apressada, que prefere apostar na ação desenfreada que no desenvolvimento cuidadoso de um universo aparentemente rico em possibilidades. Há apenas esboços de personagens interessantes (os de Wagner Moura e Sharlto Copley, por exemplo); não há nenhuma cena realmente boa; há muitos clichês e um irritante exagero melodramático na opção por focar no destino supostamente grandioso do protagonista e em sua relação com a enfermeira vivida por Alice Braga.

Maior decepção cinematográfica do ano até o momento, Elysium é uma ficção-científica rasa, esquecível e nada original, já que se limita a tentar reproduzir o visual sujo e supostamente realista de Distrito 9. Por sinal, há um outro filme recente - e pouco valorizado - que se saiu bem melhor nesse campo das distopias socialmente realistas que o pífio segundo longa de Blomkamp: a surpreendente e ultra-violenta adaptação de quadrinhos Dredd (2012), de Pete Travis. Esse sim é um filmaço.


Elysium 
Elysium, 2013
Neill Blomkamp

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Rush: No Limite da Emoção



Rush guarda algumas semelhanças com Frost/Nixon, último filme sério de Ron Howard: ambos foram escritos pelo sempre competente Peter Morgan (A Rainha, O Último Rei da Escócia, 360, Além da Vida), são ambientados na década de 1970 e têm suas respectivas narrativas estruturadas sobre o embate entre dois personagens fortes, polos opostos que nutrem um pelo outro misto de respeito e repulsa. Mas enquanto o superestimado longa sobre a entrevista concedida pelo ex-presidente norte-americano Richard Nixon a um jornalista inglês não conseguia ir além do óbvio, exagerando aqui e ali no clima descontraído e perdendo a chance de se imbuir da urgência dos grandes thrillers políticos, esse Rush impressiona pela intensidade com que constrói a rivalidade entre os pilotos de Fórmula 1 James Hunt (Chris Hemsworth) e Niki Lauda (Daniel Bruhl) sem jamais optar por uma oposição maniqueísta (algo que até o belíssimo documentário Senna acabou fazendo, ao pintar Alain Prost como uma espécie de vilão na trajetória do "herói" Ayrton Senna). Se o Hunt de Hemsworth é irresistível por seu carisma e comportamento infantil em muitos momentos, Lauda encanta pela dedicação ao esporte e por também ser genuíno em seu excesso de pragmatismo. Aliás, por mais óbvia que seja essa oposição entre emoção e razão, o roteiro de Morgan tem o mérito de inserir aos poucos algumas nuances que tornam os personagens mais próximos um do outro, o que torna absolutamente natural o respeito mútuo que passam a ter (ainda que nunca deixem de ser rivais).

Com seu ar de filme histórico britânico, Rush parece ser uma obra mais de Morgan que de Ron Howard, mas, justiça seja feita, o trabalho desse último na direção é marcado por uma sucessão de acertos. Howard já mereceria aplausos só por conseguir envolver e emocionar sem apelar para o choro fácil de filmes como Uma Mente Brilhante e A Luta pela Esperança, mas ele ainda arranca ótimas atuações da dupla Hemsworth/Bruhl e demonstra gigantesco talento para filmar as sequências de corrida, reproduzindo o lado brutal e selvagem do que significava pilotar na Fórmula 1 nos anos 70 sem abrir mão totalmente de, vez ou outra, optar por certas estilizações, como no belo uso de câmera lenta no chuvoso Grande Prêmio do Japão de 1976. Talvez Howard, diretor eclético e de pouca personalidade, tenha encontrado em Morgan um parceiro capaz de tolher seus excessos melodramáticos em prol de um cinema mais intenso. Frost/Nixon foi um ensaio cheio de erros. Rush, que não tem a necessidade de se levar tão a sério, é a primeira grande obra da dupla. Que venham outras.


Rush: No Limite da Emoção 
Rush, 2013
Ron Howard