segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Django Livre



Quentin Tarantino tem uma relação bastante prolífica com a História. De Cães de Aluguel (1992) a Kill Bill (2003/2004), tal relação se manteve restrita à História do cinema, com o diretor atuando como um antropófago a devorar referências dos mais diversos gêneros cinematográficos (o filme de kung fu e de gângster, o blaxploitation) para construir um estilo próprio, facilmente reconhecível. A partir de Bastardos Inglórios (2009), Tarantino lançou-se a uma aventura um pouco mais arriscada: apropriar-se também dos ditos "filmes históricos" e, consequentemente, dirigir um olhar "tarantinesco" a sociedades e acontecimentos do passado.

Django Livre é sua segunda obra nessa linha. Após o contundente grito de liberdade do cinema em relação à tão cobrada fidelidade histórica, representado pelo assassinato de Hitler no longa anterior, o cineasta, que já há algum tempo fazia westerns disfarçados (Kill Bill: Vol. 2 e o próprio Bastardos Inglórios), estreia de fato no gênero com um filme que adapta ao formato "história de vingança" a dura e cruel realidade da escravidão negra nos Estados Unidos. As visitas de Tarantino ao passado são sempre mediadas pelo cinema já produzido sobre esse mesmo passado: se Bastardos era basicamente um "filme de missão" situado na Segunda Guerra Mundial, como tantos produzidos nas décadas de 1950 e 1960, Django Livre é uma mistura de western spaghetti e blaxploitation, uma vez que acompanha, basicamente, o nascimento de um herói típico do gênero que representou, nos anos 70, a libertação imagética dos negros no cinema norte-americano – mais ou menos correspondente à libertação de Django (Jamie Foxx) e Broomhilda (Kerry Washington) de seus senhores (sem contar que o sobrenome da personagem de Washington é Shaft, referência direta ao protagonista da célebre série de tv que fez sucesso no auge do blaxploitation).

Django Livre pode soar repetitivo em alguns momentos, em sua excessiva aproximação de Bastardos Inglórios – sem, no entanto, conseguir repetir o impacto causado pelo final deste. Mas quando se mostra ambicioso especificamente com o tema que aborda, propondo algumas questões mais sérias sobre as relações entre escravos e senhores, dominantes e dominados, através do personagem inusitado e politicamente incorreto de Samuel L. Jackson e de um repugnante monólogo de Leonardo DiCaprio, Tarantino eleva seu filme a um patamar inédito dentro de sua filmografia. Sob a máscara do pastiche, ele constrói, talvez meio sem querer, um olhar sofisticado e problematizador sobre a realidade histórica da escravidão.



Django Livre 

Django Unchained, 2012
Quentin Tarantino

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