quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Oscar 2014: apostas finais


A Academia terá, no próximo domingo, uma ótima oportunidade de fazer história. Premiar Gravidade como melhor filme seria reconhecer um gênero de imensa importância para a história do cinema, mas que é geralmente relegado às categorias técnicas no Oscar. Seria coroar o trabalho magnífico de um cineasta mexicano, o que não deixa de ser uma saborosa ironia em se tratando da maior premiação do cinema norte-americano. Seria abraçar de vez a inovação tecnológica do 3D como instrumento que contribui para a evolução da linguagem cinematográfica.

Mas como resistir à força descomunal de 12 Anos de Escravidão, principal concorrente de Gravidade ao maior prêmio da noite? Como ignorar a importância desse filme, primeira produção verdadeiramente séria e densa sobre o espinhoso tema da escravidão nos Estados Unidos? Como fechar os olhos para o fato de que o domínio que Steve McQueen tem sobre a arte de filmar é tão impressionante quanto a direção espetacular de Alfonso Cuarón? Talvez a ficção-científica, que não foi sequer indicada ao Oscar com obras-primas como 2001: Uma Odisseia no Espaço e Blade Runner, tenha que esperar mais um pouco pelo reconhecimento da Academia. No presente assustador que vivemos, o olhar para o passado de 12 Anos de Escravidão se mostra absolutamente necessário. Fundamental.

Adoro Gravidade e amo a loucura lúcida de Martin Scorsese em O Lobo de Wall Street (talvez, no fim das contas, meu verdadeiro favorito entre os nove indicados a melhor filme). Mas o Oscar 2014 tem que ir para as mãos de Steve McQueen.



Filme: 
Quem ganha: 12 Anos de Escravidão
Minha torcida: O Lobo de Wall Street

Diretor: 
Quem ganha: Alfonso Cuarón (Gravidade)
Minha torcida: Martin Scorsese (O Lobo de Wall Street)

Ator: 
Quem ganha: Matthew McConaughey (Clube de Compras Dallas)
Minha torcida: Leonardo DiCaprio (O Lobo de Wall Street)

Atriz: 
Quem ganha: Cate Blanchett (Blue Jasmine)
Minha torcida: Cate Blanchett (Blue Jasmine)

Ator Coadjuvante: 
Quem ganha: Jared Leto (Clube de Compras Dallas)
Minha torcida: Jonah Hill (O Lobo de Wall Street)

Atriz Coadjuvante: 
Quem ganha: Lupita Nyong'o (12 Anos de Escravidão)
Minha torcida: June Squibb (Nebraska)

Roteiro Adaptado: 
Quem ganha: 12 Anos de Escravidão
Minha torcida: 12 Anos de Escravidão

Roteiro Original: 
Quem ganha: Trapaça
Minha torcida: Nebraska

Montagem: 
Quem ganha: Gravidade
Minha torcida: Gravidade

Fotografia: 
Quem ganha: Gravidade
Minha torcida: Os Suspeitos

Direção de Arte: 
Quem ganha: Trapaça
Minha torcida: Ela

Figurino: 
Quem ganha: Trapaça
Minha torcida: O Grande Gatsby

Maquiagem: 
Quem ganha: Clube de Compras Dallas
Minha torcida: Clube de Compras Dallas

Efeitos Especiais: 
Quem ganha: Gravidade
Minha torcida: Gravidade

Mixagem de Som: 
Quem ganha: Gravidade
Minha torcida: Gravidade

Edição de Som: 
Quem ganha: Gravidade
Minha torcida: Gravidade

Trilha Sonora: 
Quem ganha: Gravidade
Minha torcida: Gravidade

Canção: 
Quem ganha: "Let it go" (Frozen)
Minha torcida: "The Moon song" (Ela)

Filme Estrangeiro: 
Quem ganha: Alabama Monroe
Minha torcida: A Grande Beleza

Animação: 
Quem ganha: Frozen

Documentário: 
Quem ganha: A Um Passo do Estrelato
Minha torcida: O Ato de Matar

domingo, 23 de fevereiro de 2014

12 Anos de Escravidão



Muito se discute sobre as possibilidades de representação ficcional de atos de violência extrema contra seres humanos, como aqueles que resultaram no chamado Holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial. Até que ponto seria obsceno escalar atores para encenar assassinatos e torturas que de fato ocorreram, muitas vezes submetendo o passado às necessidades dramáticas da história narrada em filme? O que mostrar e o que não mostrar, quando se encena tamanha brutalidade? Na época de seu lançamento, A Lista de Schindler (1993) foi violentamente criticado nesse sentido, especialmente por "brincar" com o horror na sequência da câmara de gás de Auschwitz – mas, ainda assim, o filme de Steven Spielberg se firmou como a maior referência cinematográfica para o grande público quando se fala em Holocausto.

Quatro anos depois, Spielberg realizou Amistad, com o qual tentou repetir o feito de consolidar um olhar público sobre um tema histórico árduo – dessa vez, a escravidão no sul dos Estados Unidos. Fracassou, em muito por exagerar no apelo melodramático típico de boa parte de seu cinema. Como conjunto de ações igualmente violentas contra a vida humana, a escravidão moderna, Holocausto negro, também seria refém dessas questões que envolvem a representação artística do assassinato de judeus pelos nazistas. Como filmar esse assunto? Seria ético ter atores encenando o sofrimento dos escravos? Seria a reconstituição memorialística através de linguagem documental a única forma possível de acesso da arte a tal passado (seguindo o caminho do magnífico Shoah, de Claude Lanzmann)?

Se a resposta para essa última pergunta for positiva, 12 Anos de Escravidão, novo e premiado filme do cineasta britânico Steve McQueen, talvez mereça tanta reprovação quanto o melodrama exagerado de Amistad ou a manipulação emocional da sequência da câmara de gás de A Lista de Schindler. McQueen opta pela dureza das imagens, por mostrar as consequências da violência da escravidão nos corpos dos cativos (algo bem próprio de seu cinema, aliás). As agressões físicas sofridas pelos personagens de Chiwetel Ejiofor e Lupita Nyong’o, por exemplo, são filmadas em detalhes, o que poderia gerar acusações de um certo sadismo do diretor. No entanto, se considerarmos possível a representação artística dos horrores da escravidão, como fazer diferente de McQueen? O caminho seria olhar para outro lado, posicionar a violência fora de quadro em respeito à dor (irrepresentável) experimentada pelos homens e mulheres reais que caíram em cativeiro? Pode ser. Mas, no mesmo ano em que a triste história do jovem Oscar Grant chegou aos cinemas (no excelente Fruitvale Station), talvez seja necessário mostrar, sem atenuantes, essa violência que perdura no tempo e que muitas vezes queremos esquecer que existe. E ironia das ironias: 12 Anos de Escravidão, o mais importante e impactante filme já produzido sobre a escravidão negra nos Estados Unidos, é dirigido por um inglês. Talvez venha daí esse olhar de profundo horror e indignação que reverbera em suas imagens. Steve McQueen, como o Dr. King Schultz de Django Livre, é um estrangeiro ainda não muito habituado à América.


12 Anos de Escravidão 
12 Years a Slave, 2013
Steve McQueen

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Os melhores filmes de Martin Scorsese



Martin Scorsese é um gigante de 1 metro e 63 centímetros de altura. Parte de uma geração que ajudou a moldar a chamada "Nova Hollywood", o diretor ítalo-americano foi dos poucos de seus membros que conseguiram manter-se no topo ao longo dos últimos 30 anos: enquanto Francis Ford Coppola não entrega um filme verdadeiramente bom desde Drácula de Bram Stoker (1992), George Lucas se esconde atrás da já desgastada franquia Star Wars, Brian De Palma é injustamente esquecido e Steven Spielberg segue por caminhos mais comerciais (ainda que, vez ou outra, realizando obras-primas como Munique e Lincoln), Scorsese é frequentemente citado como um dos maiores cineastas vivos, sendo responsável por pelo menos um grande filme por década desde os anos 70. Caminhos Perigosos, Taxi Driver, Touro Indomável, Os Bons Companheiros, Cassino, O Aviador, O Lobo de Wall Street... apenas alguns exemplos da força de sua filmografia.  

Aproveitando a presença nos cinemas brasileiros de O Lobo de Wall Street, mais recente demonstração de vigor do cinema do diretor (aos 71 anos de idade!), e de Trapaça, tentativa de David O. Russell de emular a estética scorseseana, listo abaixo aqueles que considero os 10 melhores filmes de Martin Scorsese. Ranking certamente injusto com uma carreira que possui muito mais que uma dezena de obras memoráveis... 



10- A Época da Inocência
The Age of Innocence, 1993


9- A Última Tentação de Cristo
The Last Temptation of Christ, 1988


8- Gangues de Nova York
Gangs of New York, 2002


7- O Aviador
The Aviator, 2004


6- O Lobo de Wall Street
The Wolf of Wall Street, 2013


5- Cassino
Casino, 1995


4- Caminhos Perigosos
Mean Streets, 1973


3- Taxi Driver
Taxi Driver, 1976


2- Os Bons Companheiros
Goodfellas, 1990


1- Touro Indomável
Raging Bull, 1980


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Caçadores de Obras-Primas



Caçadores de Obras-Primas tem como principal referência aqueles saudosos "filmes de missão" passados na Segunda Guerra Mundial, nos quais o clima de aventura sobrepuja a seriedade do momento retratado e os nazistas são apresentados como antagonistas incontestes dos sempre bem-intencionados Aliados (um bom exemplo aqui é o ótimo Os Doze Condenados, de Robert Aldrich). Se esse maniqueísmo passa longe de configurar um problema - ainda mais depois que Bastardos Inglórios (que, aliás, também homenageia o subgênero em questão) deu um importante grito de liberdade do cinema em relação às obrigações de fidelidade histórica -, o filme de George Clooney peca por ser surpreendentemente insosso.

O envolvimento da turminha de Clooney no projeto parecia sugerir, na pior das hipóteses, um Onze Homens e Um Segredo de época e, na melhor, um novo Argo. Mas o resultado não chega perto nem de um, nem de outro. Caçadores de Obras-Primas se arrasta ao longo de suas quase duas horas, incapaz de despertar o interesse do espectador pela louvável missão na qual seus personagens estão engajados, enquanto consegue a proeza de desperdiçar até o talento cômico de Bill Murray e John Goodman, atores que costumam ser engraçados mesmo quando pouco inspirados ou em papéis não muito memoráveis. Completando o elenco, o próprio Clooney, Matt Damon, Jean Dujardin e Cate Blanchett, todos devidamente oscarizados, desfilam pela tela sem entregar um mísero momento em cena que valha a pena ser lembrado. Mas quem sai com a imagem mais arranhada disso tudo é mesmo o Clooney diretor, por seu trabalho burocrático e preguiçoso que não imprime à narrativa um ritmo minimamente ágil, adequado a esse tipo de filme. Ao final, fica a frustração de ver uma boa história contada com tanto desleixo, ao mesmo tempo que surge uma vontade quase irresistível de rever Bastados Inglórios. Ou, até mesmo, Operação Valquíria.


Caçadores de Obras-Primas 
The Monuments Men, 2014
George Clooney

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Trapaça



É no mínimo curioso que, num ano em que Martin Scorsese lançou o potente O Lobo de Wall Street, David O. Russell assuma o protagonismo na temporada de premiações com Trapaça, filme que tenta emular exatamente o melhor do cinema de Scorsese. Estão lá a narração em off com múltiplos pontos de vista, os planos-sequência e a câmera que se move rapidamente em direção a seus personagens em momentos-chave, a trilha sonora setentista marcante, os protagonistas underdogs e até Robert De Niro interpretando um mafioso. Mas Trapaça não tem o vigor dos filmes do diretor ítalo-americano nos quais parece se inspirar. Falta, por exemplo, à voz off, a ironia scorseseana e uma presença mais constante ao longo da narrativa, já que ela parece sumir no "miolo" de Trapaça, para retornar ao final com o intuito de explicar o que se passou de maneira didática para o espectador; falta a O. Russell uma preocupação menor com as reviravoltas da trama, elemento secundário no cinema de Scorsese, onde o que realmente importa é o desenvolvimento das múltiplas facetas de personagens que geram na plateia um fascinante misto de repulsa e atração (é difícil não pensar no quão memorável uma figura como Irving Rosenfeld poderia ser num filme de Scorsese); e falta, sobretudo, o ritmo alucinante que marca obras como Os Bons Companheiros (talvez a principal inspiração de Trapaça), e mesmo o cocainado O Lobo de Wall Street.   

Mas, deixando Martin Scorsese e os prêmios um pouco de lado, é possível reconhecer Trapaça como um ótimo filme. David O. Russell arranca grandes atuações de quase todo seu elenco (Jennifer Lawrence, possivelmente vítima de um erro de casting, acaba sendo o único porém entre os atores do filme, com uma composição excessiva que conduz sua personagem à desnecessária cena em que canta "Live and Let Die"), enquanto conta com competência uma história complicada e cheia de camadas e que tem como centro emocional, na verdade, o amor entre os vigaristas vividos por Christian Bale e Amy Adams. É estranho mas, no fim das contas, Trapaça é isso: uma bela história de amor entre dois personagens meio tortos, mas irresistíveis. E aí nem era necessário remeter aos filmes de Scorsese, já que o próprio O. Russell trilhou caminhas parecidos, com sucesso, em seus dois longas anteriores – o excelente O Vencedor e o delicioso O Lado Bom da Vida.


Trapaça 
American Hustle, 2013
David O. Russell

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Eduardo Coutinho, 1933-2014



Esse 2 de janeiro de 2014 pode ser definido como o dia mais triste para o cinema brasileiro desde a morte de Glauber Rocha, em 22 de agosto de 1981. O impacto da perda do genial, e ainda jovem, cineasta baiano é equivalente ao choque diante da notícia da morte brutal de um já idoso, mas ainda ativo, Eduardo Coutinho. Definitivamente não estávamos preparados, enquanto admiradores, para ver Coutinho partir assim, tão de repente, assassinado a facadas pelo próprio filho; como o cinema brasileiro não estava preparado para seguir em frente sem esse diretor de tantos filmes fantásticos. Mas também, como se preparar? Como conciliar a irremediável efemeridade da vida com nossa incessante demanda por novos trabalhos de Eduardo Coutinho? Resta o clichê, verdadeiro, de que suas obras sobreviverão. De que Cabra Marcado para Morrer continuará sendo o maior documentário já produzido no Brasil. De que ninguém emocionará o público ao cantar como o fizeram os personagens de As Canções ou o senhor Henrique de Edifício Master. De que Jogo de Cena seguirá como um lembrete incontornável da necessidade de borrarmos as fronteiras entre ficção e documentário. Parece pouco. É pouco. Ao menos por hoje.    

Quando Eu Era Vivo



O senso comum costuma apresentar o cinema como parasitário da literatura, no intuito de condenar os filmes "infiéis" à sua fonte literária. É uma pena que ainda existam tantos metidos a entendedores (já que sobre cinema qualquer um pode falar) destilando por aí suas visões preconceituosas sobre um arte que supostamente amam - e não duvido que logo apareçam leitores de Lourenço Mutarelli para achincalhar Quando Eu Era Vivo, adaptação cinematográfica do sensacional livro A Arte de Produzir Efeito sem Causa (ainda que o próprio autor faça uma participação no filme, como que dando seu aval para as mudanças realizadas pelo roteiro de Marco Dutra e Gabriela Amaral Almeida na história do homem de meia-idade que, recém-separado da esposa, retorna à casa do pai e mergulha na mais completa loucura).

Pois não duvidem: Quando Eu Era Vivo é um filme bastante infiel aos escritos de Mutarelli. Dutra e sua co-roteirista abrem mão da discussão central de A Arte de Produzir Efeito sem Causa (o poder das palavras, ou de certas combinações de palavras, sobre mente e corpo humanos, e a possibilidade de possessão demoníaca advinda daí), bem como de algumas subtramas (o humilhante adultério da esposa do protagonista, por exemplo), para focar nos demônios internos ao ambiente familiar, representados pela memória da figura da mãe, devotada às artes do oculto. Sai o elemento externo, as misteriosas correspondências com referências à William Burroughs, e entra um passado não totalmente exorcizado que retorna para assombrar os personagens de Marat Descartes e Antônio Fagundes. É onde o filme se aproxima de Trabalhar Cansa, o igualmente macabro trabalho anterior de Dutra na direção, no qual os demônios de uma família também se materializam em acontecimentos sobrenaturais. A diferença é que, enquanto este último se preocupa também em debater questões sociais (a humilhação do desemprego, a apatia do cotidiano da classe média, as relações de poder entre patrões e empregados), Quando Eu Era Vivo se filia mais explicitamente ao cinema de gênero, apostando num clima claustrofóbico que parece remeter diretamente à "trilogia do apartamento" de Roman Polanski.

É justamente através da infidelidade à sua fonte literária que Dutra constrói um grande filme. São acertos como a substituição do elemento desencadeador da loucura do protagonista (ao invés da palavra escrita, são velhas imagens caseiras gravadas em VHS que exercem essa função) que mostram o quanto o diretor compreende as especificidades da arte que produz. No fim das contas, Quando Eu Era Vivo consegue, por caminhos distintos, ser quase tão perturbador quanto A Arte de Produzir Efeito sem Causa. Reclamar do quê?


Quando Eu Era Vivo 
Marco Dutra
2014