segunda-feira, 31 de março de 2014

A ditadura no cinema brasileiro


Desde muito cedo, o cinema brasileiro refletiu sobre a ditadura instaurada no país em 1964. Geralmente são dadas a O Desafio (1965), de Paulo Cesar Saraceni, as honras de ser o primeiro filme a falar do golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart e levou os militares ao poder, mas muitos vieram depois dele. O regime autoritário que se seguiu a esse acontecimento e que perdurou por 21 anos é presença constante em longas de ficção (sérios ou cômicos, comerciais ou experimentais) e em documentários – talvez seja possível dizer que todos os anos temos pelo menos 1 filme sobre a ditadura (como tema central ou pano de fundo) lançado nos cinemas.

O que chama atenção nessa vasta e múltipla produção é a consolidação de uma visão sobre o período calcada na memória da resistência da sociedade ao arbítrio. Há um grande número de filmes sobre a luta armada e muito poucos sobre a participação dos civis no regime – e não deixa de ser curioso que, como notou a socióloga Caroline Gomes Leme, filmes produzidos na década de 1980 (Pra Frente Brasil, O Bom Burguês) tenham sido mais corajosos ao lidar com esse tema do que a filmografia atual sobre a ditadura, que parece preferir esquecer que importantes setores sociais contribuíram com a implantação e manutenção de uma ditadura responsável por ceifar inúmeras vidas. Reforça-se, assim, a visão de que todos resistiram aos militares, grandes vilões da história (há exceções, claro, como o excelente documentário Cidadão Boilesen). 

O ponto é que a historiografia brasileira sobre a ditadura tem avançado muito nos últimos anos. Discussões em torno do golpe de 64, da figura de João Goulart, do colaboracionismo de parte da sociedade com o regime e da construção de uma memória resistente por essa mesma sociedade têm animado congressos e permeado livros, dissertações e teses recentes. Elas contribuem, sobretudo, com um movimento de ruptura com maniqueísmos que pouco revelam sobre um passado que é, acima de tudo, complexo – sem que, para isso, caia no relativismo conservador dos crimes cometidos no período. E o cinema, infelizmente, faz pouco proveito desses avanços. Não estou cobrando que os filmes sobre a ditadura sejam fieis aos fatos históricos, mas argumentando que os esforços de estudos recentes para tornar mais complexo esse passado (ainda tão presente) pode render a diretores e roteiristas personagens e histórias muito mais interessantes que a velha e batida luta do bem contra o mal.

Um exemplo: em princípios da década de 1970, ex-participantes da luta armada se apresentaram à imprensa como arrependidos por seus atos, declarando que, a partir daquele momento, acreditavam nas boas intenções do regime e nos planos do governo do general Médici para o Brasil. O que teria motivado tal atitude? Estariam os ex-militantes da extrema-esquerda verdadeiramente arrependidos de sua atuação política ou tudo não passava de uma encenação forçada pela ditadura com o intuito de desmoralizar seus opositores? Ou será que algumas dessas figuras não teriam simplesmente se utilizado dessa brecha para escapar do cárcere e iniciar uma nova vida? Tema e personagens sem dúvida complexos e fascinantes, que trafegam pelas zonas cinzentas de tempos autoritários e que poderiam render, no campo ficcional ou no documental, alguns grandes filmes.

Ressaltadas as limitações da produção cinematográfica sobre a ditadura brasileira – e expresso o desejo de um cinema mais problematizador para o futuro –, listo abaixo meus 10 filmes favoritos que abordaram os 21 anos do regime em questão. Porque, sim, alguns grandes filmes já foram feitos sobre o período. Uma ressalva: optei por deixar de fora a obra-prima Terra em Transe, de Glauber Rocha, grande painel alegórico do Brasil e do Terceiro Mundo construído a partir da experiência da derrota da esquerda brasileira em 64; entraram aqui filmes que falam explícita e diretamente da ditadura. Numa lista mais abrangente, Terra em Transe estaria presente, disputando os primeiros lugares. 


10- Diário de uma Busca
Flávia Castro, 2010


9- Jango
Sílvio Tendler, 1984



8- Hércules 56
Sílvio Da-Rin, 2006



7- Cabra-Cega
Toni Venturi, 2005



Chaim Litewski, 2009



5- O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias
Cao Hamburger, 2006


4- Nunca Fomos Tão Felizes
Murilo Salles, 1984



3- Tatuagem
Hilton Lacerda, 2013



2- Eles Não Usam Black-Tie
Leon Hirszman, 1981



1- Cabra Marcado para Morrer
Eduardo Coutinho, 1984

2 comentários:

Emerson Silva disse...

Ótimo post, eu, nascido em 1985, tenho muito a aprender com nosso cinema...

Wallace Andrioli Guedes disse...

Todos temos, Emerson.