terça-feira, 17 de junho de 2014

Isto é Cinema: Pulp Fiction, de Quentin Tarantino



O cinema de Quentin Tarantino trafega por universos violentos que, nas mãos de diretores mais ordinários, renderiam filmes de ação ininterrupta, com corte atrás de corte e repetidas tentativas de deixar o espectador tenso em momentos que antecedem conflitos importantes. Mas Tarantino faz diferente. Já numa das primeiras sequências de Pulp Fiction, filme que o catapultou para o estrelato em 1994, o diretor rompe com a gramática clássica do gênero policial (trata-se, afinal, de uma história de gângsteres) ao apresentar os icônicos personagens de John Travolta e Samuel L. Jackson. 

Essas duas figuras surgem pela primeira vez em cena conversando banalidades dentro de um carro, discutindo os nomes que os europeus dão para sanduíches americanos. Mas, em seguida, a ação é anunciada através do plano em que Vincent (Travolta) e Jules (Jackson) sacam suas armas do porta-malas e falam do trabalho que realizarão em instantes: cobrar algo de alguém em nome de seu chefe, o temido mafioso Marsellus Wallace. A tensão deveria se instalar, já que os dois personagens caminham para um conflito violento com “até cinco caras”, conforme eles mesmos discutem. Mas Tarantino faz diferente. No caminho até o apartamento de Brett (Frank Whaley), os criminosos voltam a discutir um assunto que em nada se relaciona com a ação que se avizinha: os possíveis significados de uma massagem nos pés.

Quentin Tarantino se tornou conhecido pelos diálogos afiados e ao mesmo tempo triviais, recheados de referências à cultura pop, e a célebre conversa de Vincent e Jules sobre massagem nos pés é um dos maiores exemplos dessa característica de seu cinema. No entanto, nessa sequência, Tarantino realiza o movimento de ruptura com a lógica clássica da ação não só através das falas dos personagens, mas também da mise-en-scène. A partir do momento em que a dupla deixa o elevador, a ação transcorre num longo plano-sequência que acompanha Vincent e Jules até seu destino. Mas o movimento contínuo da câmera é interrompido em dois momentos: quando o personagem de Jackson discorda de Travolta a respeito da conotação sexual de uma massagem nos pés e quando a dupla decide aguardar mais alguns minutos – sem nenhuma razão aparente, diga-se de passagem – até entrar em ação. Em ambos, o objetivo de Tarantino é retardar o mergulho de Pulp Fiction em acontecimentos propriamente característicos de um filme de gângster, expandindo o tempo gasto com o papo descontraído de Vincent e Jules, que é o que realmente importa (até porque toda a discussão sobre a massagem nos pés da Sra. Wallace repercute nas decisões de Vincent em relação a essa personagem, em momento posterior da trama). O comportamento da câmera nessa sequência e a relação que ela estabelece com os personagens em cena são fundamentais para que a proposta do diretor seja bem-sucedida.




domingo, 1 de junho de 2014

X-Men: Dias de um Futuro Esquecido



2006. Após Bryan Singer assumir a direção do ainda hoje subestimado Superman - O Retorno e Matthew Vaughn pular fora do posto de seu substituto, o medíocre Brett Ratner lançou X-Men: O Confronto Final, filme que, em menos de duas horas, deixava de lado todo o cuidado com que Singer construíra o universo dos mutantes no cinema para, numa narrativa apressada e com assustadora sanha assassina, colocar ponto final numa história que parecia ainda merecer alguns capítulos. Depois disso, Wolverine ganhou duas aventuras solo esquecíveis (a primeira delas é um desastre completo!) e Vaughn retornou à franquia para reabilitá-la com o maravilhoso X-Men: Primeira Classe, trabalho cuidadoso no desenvolvimento de seus personagens e carregado da verve política que permeara o olhar de Singer para esses heróis.

É muito surpreendente, portanto, que, de volta ao universo que o consagrou, o diretor de X-Men: O Filme e X-Men 2, cometa exatamente o mesmo erro de Brett Ratner. Como O Confronto Final, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido é um filme apressado, que tenta resolver pouco tempo uma história complexa, que ocupa diferentes linhas temporais que se tocam a todo momento. Ao apostar na ação quase ininterrupta, o diretor perde a chance de explorar mais a fundo especialmente o futuro apocalíptico, locus potencial das discussões políticas que não aparecem em Dias de um Futuro Esquecido. A pressa de Singer também compromete o passado setentista: a complexa dinâmica entre Erik (Michael Fassbender) e Xavier (James McAvoy), força motriz de Primeira Classe, é eclipsada pelo ritmo frenético da narrativa e pela necessidade boba de ter o já desgastado Wolverine como protagonista. Não à toa, o único momento realmente memorável do filme envolve o uso de uma super câmera lenta, para retratar os poderes do veloz mutante Mercúrio. É quando Bryan Singer ao menos nos deixa respirar um pouco, em meio a tanta correria.


X-Men: Dias de um Futuro Esquecido 
X-Men: Days of Future Past, 2014
Bryan Singer