domingo, 21 de junho de 2015

De Cabeça Erguida



Num momento em que o Brasil finge discutir a questão da criminalidade juvenil, a partir da polêmica em torno da redução da maioridade penal, que mobiliza extremos em torno de argumentos nem sempre inteligentes (os que são contra, repetem o jargão da “educação como solução”, em certa medida não reconhecendo que o problema que se coloca vai além de uma visão utópica de sociedade; aqueles a favor, se agarram ao estúpido “tá com pena, leva pra casa!”, que revela a incapacidade dessas pessoas de lançar um olhar mais problematizador para o mundo), é muito bom ver um filme como De Cabeça Erguida.

Ao acompanhar a trajetória conturbada de seu protagonista, Malony (o intenso Rod Paradot), a diretora Emmanuelle Bercot deixa claro acreditar na capacidade de recuperação de jovens criminosos a partir de um esforço constante de reeducação promovido pelo Estado. Bercot não busca soar imparcial, portanto. Ela se posiciona. No entanto, em nenhum momento a diretora deixa de tratar o tema com a seriedade e complexidade necessárias. Ela não amansa a figura de Malony, para torná-la mais palatável e ganhar a simpatia do espectador: o personagem é difícil, violento, agressivo, às vezes beira o insuportável; muitos de seus atos são reprováveis, ainda que de fato pudessem gerar consequências mais graves (o acidente de carro que provoca não deixa nenhuma vítima fatal, a agressão a uma mulher grávida não faz com que ela perca o bebê). Mas, como a juíza interpretada por Catherine Deneuve com a nobreza que lhe é característica, Bercot e seu filme persistem acreditando na possibilidade de recuperação do jovem, mesmo que fraquejando em muitos momentos e esboçando desistir dele.

Pois não há caminhos fáceis para solucionar problemas complexos, parece dizer De Cabeça Erguida. Nesse sentido, o filme faz lembrar o também francês Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet, que falava, com igual misto de dureza e delicadeza, das relações tensas entre alunos e professores no espaço escolar contemporâneo, outra questão que aflige a muitos e para a qual vez ou outra surgem panaceias estúpidas (e geralmente conservadoras). Na estética sóbria e na representação visceral e apaixonada, mas nunca simplista, das vulnerabilidades da juventude, ambos os filmes remetem ao cinema dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne (especialmente A Criança e O Garoto da Bicicleta). Mas há uma postura política em De Cabeça Erguida e Entre os Muros da Escola, de crença quase inabalável no poder das instituições republicanas, que talvez seja particularmente francesa. É como se Bercot e Cantet dissessem, com seus filmes, que, apesar dos muitos problemas, é papel do agente público nunca desistir de um vulnerável em apuros. Se for preciso, vale até “levar pra casa”.

De Cabeça Erguida 
La Tête Haute, 2015
Emmanuelle Bercot