sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Os Oito Odiados



Pouco mais de 20 anos depois de Cães de Aluguel, Quentin Tarantino volta a confinar um grupo de personagens num espaço fechado tentando descobrir quem ali não é o que diz ser. Mas se diante de Os Oito Odiados é inevitável lembrar do filme de estreia do diretor, ainda mais quando se vê em cena Tim Roth, Michael Madsen e alguns litros de sangue, o grande deleite aqui está na referência, um tanto inusitada, à obra-prima do horror O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter. O isolamento dos personagens pela neve e frio implacáveis, o uso por eles de uma determinada estratégia para lidar com tais condições climáticas e evitar que alguém se perca em meio à nevasca, além, claro, da presença de Kurt Russell, trazem o magnífico filme de Carpenter à mente. Mas é justamente naquilo que a princípio gruda Os Oito Odiados em Cães de Aluguel, a estrutura narrativa, que o novo Tarantino mais remete a O Enigma de Outro Mundo. É que para além de descobrir quem ali esconde sua verdadeira identidade, premissa comum aos três filmes, há em Os Oito Odiados um monstro entre os humanos, que só ao final se revela por completo. O embate com esse monstro pelos dois últimos sobreviventes de sua fúria e a cena que se segue, encerrando o filme, vêm diretamente de Carpenter.

É interessante como, ao usar essa referência a O Enigma de Outro Mundo para caracterizar o vilão do filme, Tarantino consegue proteger Os Oito Odiados de possíveis, e prováveis, acusações de misoginia. Trata-se, afinal, do diálogo com um clássico oitentista do cinema de horror, antes de qualquer comentário social. Mas, mesmo neste último campo, a análise pede um pouco mais de ponderação. É que quando comenta a América, e na verdade ele faz isso durante praticamente todas as quase três horas de duração de seu filme, Tarantino é implacável. Se na superfície está o debate sobre o racismo num país recém-saído da escravidão, marcando assim uma continuidade com Django Livre, logo abaixo, mas não menos importante, está a caracterização desse país como uma espécie de inferno na Terra, em que o ódio ao diferente prevalece sobre qualquer possibilidade de empatia.

Daí, negros, mulheres, mexicanos e índios – que não aparecem no filme, mas são citados como vítimas das ações de um dos protagonistas – são perseguidos, xingados, vilipendiados e mortos na versão tarantinesca da tal “terra das oportunidades”. Daí, como a violência e as mentiras do personagem de Samuel L. Jackson são justificadas pela condição dos negros na América, sobretudo nos estados do sul (“Você não faz ideia do que é ser negro na América”, diz ele a Kurt Russell num determinado momento), o comportamento odioso do “monstro” de Os Oito Odiados também tem sua razão de ser. Como seu colega de O Enigma de Outro Mundo, no fim das contas, ele só quer sobreviver numa terra que lhe é completamente hostil. 


Os Oito Odiados 
The Hateful Eight, 2015
Quentin Tarantino 

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