“Nunca houve um
vencedor da Palma de Ouro assim”, diz o trecho de uma crítica do USA Today que estampa o cartaz de The Square – A Arte da Discórdia, de
Ruben Östlund. O efeito buscado com essa chamada é, claro, remeter à ousadia
supostamente presente no filme, laureado com o prêmio principal no último
Festival de Cannes. No entanto, The
Square é o oposto disso. Trata-se de um típico cinema médio europeu, que costuma preencher as seleções oficiais
dos festivais do continente e causar
nas salas mais arthouse, com seu
verniz de sofisticação utilizado para criticar aspectos mesquinhos da tal natureza humana.
Tudo em The Square é bastante óbvio. A começar
pela abordagem irônica da arte contemporânea, construída com comentários/situações
esperados por qualquer um que já leu algum livro introdutório sobre o tema: a
brincadeira com o faxineiro do museu que recolhe uma obra de arte acreditando
se tratar de lixo; o questionamento sobre a transformação de um objeto
cotidiano em arte a partir de seu mero deslocamento para o espaço do museu; a
extrapolação dos limites do bom gosto em uma performance etc. Mas a coisa piora
quando Östlund se dedica ao que realmente lhe interessa: apontar a hipocrisia
de seu protagonista (Claes Bang), um bem-sucedido curador que se revela arrogante
e insensível às privações daqueles que o cercam, ainda que portador de um
discurso superficialmente humanista.
Aqui, o diretor acredita
estar fazendo uma crítica social foda
ao colocar seu personagem negando ajuda a mendigos ou se indignando além do
ponto ao ser furtado. Nesse último caso, aliás, Östlund até consegue criar uma
situação interessante a partir das consequências de uma ação extrema do
sujeito, mas a possibilidade de aprofundamento nela acaba atropelada pelo
excesso de frentes narrativas do filme. Sai de cena a sutileza potente de Força Maior (2014) e entra uma
necessidade tola de se autoatribuir algum tipo de consciência social baseada num irritante senso comum arthouse, que ataca as elites
intelectuais ao mesmo tempo que as bajula com um estranhamento controlado,
mantido estritamente dentro de seus padrões de bom gosto, evitando, assim,
agredi-las frontalmente.
Os melhores momentos de
The Square são aqueles que funcionam
quase como esquetes, com relativa independência entre si e do todo narrativo: o
happening do homem-macaco e a
conturbada entrevista de um celebrado artista plástico (Dominic West), por
exemplo. Östlund entende de pequenos momentos performáticos, algo já
explicitado em seu impagável vídeo de reação à não indicação de Força Maior ao Oscar.
Sobre Cannes, por
fim, The Square é mais uma Palma
confortável, preguiçosa, disfarçada de corajosa, de atual – como o foram as
duas anteriores, Dheepan (2015) e Eu, Daniel Blake (2016). A rigor, e por
mais que A Árvore da Vida (2011), Azul é a Cor Mais Quente (2013) e Sono de Inverno (2014) sejam grandes
filmes, o último rompante de real ousadia do festival foi ao premiar, sob a
batuta de Tim Burton, Tio Boonmee, que
Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010), de Apichatpong Weerasethakul.
The Square, 2017
Ruben Östlund
Um comentário:
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