sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Batman e Batman - O Retorno


Não venho lidando bem com a passagem do tempo. Apesar de ainda jovem, sofro com a aproximação dos 30 anos, com a constatação de que a vida adulta chegou para ficar e de que o deixar de existir um dia pode ser, na verdade, qualquer dia. Muito por isso, imagens dos anos 90, a década em que cresci, têm mexido profundamente comigo. Bate saudade de ser criança, de ter uma vida inteira pela frente. Bate saudade das coisas que me empolgavam há 20 e poucos anos. Uma delas, parte importante das memórias que carrego dessa época, é a paixão pelos filmes da franquia Batman, sobretudo os dois primeiros, dirigidos por Tim Burton.

De Batman (lançado nos cinemas em 1989, mas que só fui assistir mesmo pelos idos de 1992, na TV Globo), guardo a longínqua lembrança da imagem de uma revista (não sei se era a capa) que me impressionara bastante, pois trazia o rosto ferido do herói mascarado. Batman sangrava e eu, provavelmente com uns 3 anos de idade, me angustiava com o horror daquela cena. Quando o filme finalmente foi exibido na TV, torci pelo homem-morcego, apesar de fascinado pelo Coringa de Jack Nicholson, e não entendi porque Bruce Wayne e Vicki Vale não ficavam juntos no final. Empolgado para a continuação que estreava nos cinemas, dei vexame na entrada do finado Cine Excelsior, em Juiz de Fora, ao me recusar a entrar na sala com medo do Pinguim interpretado por Danny DeVito em Batman – O Retorno, cujas imagens eram reproduzidas incessantemente numa pequena televisão ao lado da bilheteria. Também o segundo filme foi assistido apenas em casa, provavelmente num VHS dublado alugado numa locadora vizinha. Acho que foi nessa mesma locadora, aliás, que consegui um exemplar do belo pôster do filme, que preguei na parede do meu quarto (não durou muito, creio). Lembro também de uma matéria sobre Batman – O Retorno exibida no semanário Fantástico, também na Globo, que trazia a cena em que Mulher-Gato destrói uma loja de departamentos com seu chicote, sob os olhares de dois atônitos policiais.

Fragmentos de imagens que remetem a um tempo com o qual lido, hoje, nostalgicamente. Reconhecendo isso, temia que Batman e Batman – O Retorno, revisitados, se revelassem como tolices, sobretudo diante de encarnações mais sérias do herói no cinema, como a recente trilogia dirigida por Christopher Nolan. Engano meu, felizmente. Ainda impressiona como Burton, que em 1989 tinha apenas 30 anos de idade e As Aventuras de Pee-Wee e Beetlejuice no currículo, consegue criar um universo de forte identidade visual, expressivo, expressionista. Sua Gotham City remete a Metrópolis, de Fritz Lang, e, em O Retorno, o diretor escancara essa influência do cinema alemão dos anos 20 ao dar a um de seus personagens, que é na verdade o grande vilão da história, o nome de Max Schreck (protagonista do Nosferatu de Murnau). Nesse segundo filme, aliás, Burton parece ter maior controle sobre os elementos que compõem o universo esboçado em Batman, inclusive sobre algumas características estéticas que seriam definidoras de sua carreira: na estilização gótica do visual, que vai além da emulação dos filmes de gângster da década de 30 presente no primeiro filme, na música cheia de coros melancólicos e aterradores e no tema da rejeição do diferente, há ecos de Edward Mãos-de-Tesoura em Batman – O Retorno – não à toa, ambas as obras se tornariam referências do que pode ser chamado de estilo burtoniano. O diretor também se permite alguns voos mais arriscados, como ao optar por uma versão grotesca e repugnante do vilão Pinguim, nas muitas insinuações sexuais e na crítica ao mundo da política. O filme tem alguns pequenos problemas de roteiro, sobretudo envolvendo a cronologia de certos eventos, mas a trama é complexa e os personagens densos, sem nunca apelarem para um realismo que não caberia na Gotham ao mesmo tempo farsesca e trágica de Burton.

Batman é mais simples em sua concepção e realização, mas continua um grande filme de ação, envolvente e empolgante, e com Jack Nicholson alucinado em cena, devorando tudo ao seu redor. Tim Burton é muito competente na tarefa de estabelecer seu protagonista como um ícone, mito grandioso que vaga pela noite de uma cidade extremamente violenta, assombrando criminosos. Não interessa ao diretor, como interessaria a Nolan em Batman Begins, explicar os mecanismos da criação do mito (Nolan adora explicar tudo, afinal): a figura do homem-morcego é, por si só, mítica, e a câmera de Burton, com seus contra-plongées expressivos e ângulos inclinados, tem papel central para que acreditemos nisso. No entanto, é interessante como, ao mesmo tempo, o filme consegue estabelecer Bruce Wayne como um personagem trágico: a morte dos pais na infância parece ter gerado um homem apático, estranho, um tanto alheio ao mundo que o cerca. Michael Keaton, mullet à parte, surge perfeito no papel, discreto, evitando exageros e contribuindo, com seu físico a princípio nada condizente com uma figura heroica como o Batman, para a construção desse protagonista atípico.

Batman e Batman – O Retorno sobreviveram, portanto, ao teste do tempo, suas qualidades extrapolam qualquer memória afetiva. São grandes filmes, talvez até maiores que os da celebrada trilogia de Christopher Nolan. Tim Burton, antes de virar uma caricatura de si próprio, já foi um ótimo diretor. Está aí mais um motivo para sentir saudades dos anos 90. 


Batman 
Batman, 1989
Tim Burton

Batman - O Retorno 
Batman Returns, 1992
Tim Burton

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